Troquei de carro esta semana. Precisava. Depois de seis anos com meu pretinho, antes com ar e tudo mais, agora vou de básico – pois, neste, pouca coisa funciona de verdade. Saio de um fusca moderno para outro, que o vendedor da Chevrolet enche a boca para chamar de Celta. Já os vendedores das outras lojas preferem um tom de desprezo quando falo dele e de seu preço. “Mas é um celta…” (com minúscula mesmo), “este aqui é muito mais carro…”. Comparo o tamanho, parece bem igual, não tão mais carro assim para ter tanto mais preço. Satisfeito, fecho o negócio no quarto fusca moderno de minha vida. Prometo mais uma vez, em pensamento, que na próxima comprarei algo melhor, mais carro.
Carro é objeto do desejo, sonho de consumo, status social e tudo mais. Mas eu precisava mesmo é de uma máquina que me levasse nas incontáveis viagens Piracicaba-Campinas – não necessariamente nessa ordem. 30 mil quilômetros por ano, um número razoável, penso. Desde moleque queria ter carro. Sonho de adolescente: liberdade, poder e sedução. Hoje, olho o extrato bancário, combustível, IPVA, seguro, manutenção. Vez ou outra desisto: preferiria caminhar com meus próprios pés para buscar pão, ir à quitanda. Para trajetos mais longos, um busão e tudo estaria resolvido.
Infelizmente, não dá. Vamos nos enveredando por uma vida atribulada, repleta de compromissos que não conseguimos largar. E o carro, antes desejo, agora é necessidade e obrigação. Uma magrela poderia resolver meu problema de locomoção para lugares não tão distantes. Mas, cadê coragem? Não me parece boa ideia percorrer de bicicleta ruas e avenidas movimentadas em meio à loucura de quem, como eu, está sempre com pressa de chegar e sair do carro.
Bicicleta também não parece adequado a uma certa promotora de Justiça (?) e um juiz de São Paulo, que querem proibir a prefeitura de fazer ciclovias. Sim! Consideram injusto conceder um lugar seguro para pedalar na maior cidade do país. Talvez para eles, e para boa parte dos paulistanos que reclamam das ciclovias, andar de bicicleta é tirar espaço de um dos maiores fetiches do ser humano moderno: o carro. Objeto grande, metálico, brilhante, barulhento por fora, silencioso por dentro, agora dotado de sensores, câmeras, GPS e outras traquitanas tecnológicas pelas quais também me deixo seduzir – mas o dinheiro não me deixa comprar.
Enquanto isso, vou me virando por aqui: sem bicicleta porque não tenho onde andar, e sem carro. Sim, sem carro. Pois o que tenho é apenas um pratinha básico, fusca moderno, que me levará pelos meus 30 mil quilômetros anuais durante um bom tempo.
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Wanderley Garcia é jornalista e professor do curso de Jornalismo da Universidade Metodista de Piracicaba – Unimep.