No último dia 31 de março – domingo, que também foi de Páscoa – completaram-se sessenta anos do fatídico dia em que um golpe cívico-militar mergulhou o Brasil em duas décadas de terror, torturas, violações de direitos, violência e morte. Duas décadas de um estado de exceção que se pautava num ficcional combate aos “comunistas” – mas era, na verdade, decorrente da influência americana que, em plena “guerra fria”, estendia seus tentáculos sobre os países sulamericanos. Sob a batuta dos Estados Unidos, o Brasil de 1964 viu assim sua democracia – ainda nascente – sucumbir aos tanques, aos coturnos e à força bruta de militares e não-militares.
Não há suavizações possíveis para o golpe de 64, não cabem tergiversações, não se podem admitir narrativas falsas que atentem contra a memória e a história acerca do que foi a ditadura militar no Brasil e o que representa, de fato, o triste marco de sessenta anos de sua ocorrência: o que vivemos em nosso país foi, sim, terrível e deixou marcas abomináveis em nossa cultura e em nossa sociedade até os dias atuais. No mesmo sentido, não cabe a tentativa de silenciar ou sepultar a história, não se pode permitir o apagamento dessa memória ou o ataque ignóbil que fazem a ela osnegacionistas sempre de plantão.
Pelo contrário, o que nos cabe – sim – é o respeito à memória de nosso país. O quedevemos exigir de nós é o respeito à memória de todos e todas aqueles e aquelas que – de alguma forma – deram suas vidas para que a democracia – com seus ônus e bônus – se estabelecesse. Porque não há vida em sociedade que seja possível fora da democracia. Porque não há vida possível sob o jugo de qualquer ditadura – qualquer que seja ela. Por isso, exaltamos aqui a memória, o “fazer” memória – no sentido de trazê-la à tona, de torná-la pública, de fazê-la conhecida, no sentido de mostrar as novas gerações o que é que se viveu neste país para que a liberdade (mesmo que sempre em disputa) possa ser vivida. Fazer memória, sim! – essa é a tarefa que nos cabe ante os que a negam, ante aqueles que a vilipendiam, ante os que a deturpam e – porque não dizer – a torturam e matam.
Nesse sentido, fazer memória é também agir para que a ditadura nunca mais se repita. Quer dizer, “fazer memória” é também atuar para que se entenda – de uma vez por todas – que o Brasil é uma democracia, com Constituição e poderes estabelecidos. De igual sorte, fazer justiça à memória dos que lutaram contra a ditadura é também impedir que novos golpes ou novas tentativas de golpe – com a que vimos lamentavelmente acontecer em 8 de janeiro de 2023 – aconteçam e se efetivem. Fazer memória é, assim, também, lembrar, dizer, mostrar, tornar público, debater o que foi o golpe militar de 64 ideando impedir que os “filhotes da ditadura” não mais ameacem a estabilidade de toda uma nação. Fazer viva a memória é, ainda, fazer com que se entenda, de uma vez por todas, que os poderes estabelecidos neste país são o Executivo, o Legislativo e o Judiciário – e que as Forças Armadas não são nem nunca serão um poder constituído.
Nesse exercício de memória, por fim, desejamos que o triste marco dos sessenta anos do golpe militar no Brasil desperte em cada um de nós a percepção de que é fundamental preservamos a história de nossas lutas, o registro de nossas conquistas (que são as conquistas de nosso povo, de nossa gente). E que com a nossa memória histórica evocada e revivida desperte-se também (ainda mais) o zelo de todos e todas pela democracia – e a consciência de que, diante das ameaças constantes a ela feitas, é o exercício da memória ação basilar na manutenção do estado democrático e de direito em que vivemos. Contra o fascismo, a memória – para que nunca mais se repita.
Memória e Democracia, sempre!
Rai de Almeida é vereadora
(Foto: ato realizado em 2014, quando a Comissão Nacional da Verdade publicou lista oficial de mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura – Antonio Cruz/ Agência Brasil).
Querida Rai, suas palavras devem sempre direcionar as ações. A memória é necessária sempre, para que não se repitam ao infinito os horrores já cometidos
Grande abraço fraterno a você