Matutar, sinônimo de refletir
por Yone Moreno
Eu me recordo das ondas de manifestações em 2015 e 2016 impulsionadas pelas denúncias que visavam cassar o mandato da presidente Dilma Rousseff e me recordo de dizer e ouvir outras pessoas dizendo que o Brasil sentiria os efeitos daquele momento anos depois. Esse ano chegou, e já era notável seu presságio no início das campanhas eleitorais em 2018. A onda bolsonarista é fruto da descrença social na política e nas instituições, e o brasileiro cansado de depositar sua confiança em sujeitos há muito conhecidos nas conversas de bar, dedicou seu voto a um homem mais próximo de nós que qualquer outro político que já assumiu qualquer cargo neste país. Afinal, quem não tem na família um Jair Bolsonaro?
Os contrários ao que prega o atual presidente, eu inclusive, tentaram descontruir através do bom senso e apontando as falhas e perigos latentes das suas declarações, racionalmente, aquilo que já fugira a tempos da racionalidade: a forma clara como seu discurso já precedia uma forma despreparada de governar.
Pois bem, muitos de nós utilitários das redes sociais visualizamos e continuamos a visualizar posts acusando o governo Bolsonaro de fascista, totalitário, antidemocrático, etc. Poucos de nós compreendemos exatamente o significado desses termos e de que forma podemos projetá-los no atual cenário. Recordo-me de Umberto Eco que em uma conferência na Itália em 1995 falou sobre como o fascismo é um termo bastante complexo, mas também bastante flexível, empregável em muitos aspectos. Uma das suas inúmeras facetas compõem fortemente o discurso do presidente – infelizmente meu, seu, nosso. Trata-se da faceta da ação, ou melhor, o agir por agir. O fascismo adere a ação como o cristão adere a bíblia. Pensar é coisa de comunista. Ser intelectual é coisa de comunista. Por isso é que as universidades são alvos constantes de acusação de influência ideológica, pois, o fascismo precisa apontar um inimigo para justificar o resgate aos valores tradicionais e quem age pretende soluções rápidas. “Haja sem pensar”. Bolsonaro agiu e autorizou com suas palavras que seus eleitores também agissem, e os resultados estampam as manchetes dos jornais diariamente no Brasil: quando coloca sobre a responsabilidade da pasta da agricultura a demarcação das terras indígenas, gerando uma contradição gritante, já que não existe consenso entre aqueles que querem cada vez mais ocupar terras no Brasil para fins lucrativos (muitas vezes ilegais) e aqueles que a requerem por direito no simples âmbito da preservação ambiental e de seus costumes, costumes esses que constituem parte imensurável na cultura e na história desse país. Ou quando pretende facilitar a posse de armas dentro de casa em um Brasil que ocupa o 5º lugar no ranking de feminicídio no mundo. Também quando profere ódio às minorias, ou quando encerra o ministério da cultura enquanto órgão autônomo – pasta que fomenta o pensamento crítico e reflexivo do indivíduo pelo conhecimento através das artes – gerando o ser que apenas age e não pensa, o ser que é reflexo da forma como opera o seu tão aclamado salvador das mazelas da pátria amada Brasil. E nesse gancho, caminhar para a supressão do ato de pensar fica mais evidente ainda quando um dos principais ministérios, o da educação, está simplesmente estagnado desde janeiro deste ano. Mas isso é domínio público, minha intenção mesmo é tratar do pensar, e criticar o agir quando esse não caminha junto da reflexão. Pois, como disse Hannah Arendt: “Será que a natureza da atividade de pensar, o hábito de examinar, refletir sobre qualquer acontecimento, poderia condicionar as pessoas a não fazer o mal? Estará entre os atributos da atividade de pensar, em sua natureza intrínseca, a possibilidade de evitar que se faça o mal? Ou será que podemos detectar uma das expressões do mal, qual seja, o mal banal como fruto do não exercício do pensar?”. Minha intenção é que quem quer que leia esse texto reflita sobre a importância de refletir, e sobre como o Brasil definitivamente não precisa de um herói que pretende agir a qualquer custo. Pois, custo é sinônimo de preço, e preço se paga. E quem paga somos nós.
Yone Moreno é historiadora graduada pela UNIMEP.
Excelente texto!