Uma coisa ainda pior do que um inimigo é um mau amigo.
(“Memórias de um Sargento de Milícias.” Manuel Antonio de Almeida)
Cantai, palmeiras de minha terra! Cantai ao vento a canção que embala as tardes quentes de beleza tropical num braseiro à brasileira. Que terra mais linda assim e de céu anil jamais se viu! Tudo por aqui é mais. Nossas matas, nossa fauna e nossa flora cantadas e decantas em versos mascados e prosa que apavora. Brasil varonil de gente boa e honesta – que me fez ler, na carne do pessegueiro, na testa de um tronco emborcado pomar abaixo, o que um dia alguém escreveu: “Brasil de amores mil, ame-o ou deixe-o.” Cantai, cantai, minha gente! Quem iria embora daqui? Quem fugiria da gente de bem que faz o creme de la creme da nata brasileira? Cantai, cantai, minha gente – que gente boa assim, por aí, em lugar nenhum não há.
Ai, Brasil de amores mil! Quer conhecê-lo? Comece por ler os clássicos. Nos horizontes, só gente fina, direita e perfeita que enfeita uma terra de delícias aos montes. Personagens de uma história nacional escrita à pena lustrosa de uma galhofa gostosa de alguns bons e adorados escritores, como Joaquim (o de Macedo), Machado (o de Assis) e Manuel (o de Almeida) – ilustres figurões que a natura não ofusca em sua luta pela busca de um registro mais que marcado de um perfil nacional anotado e anedotado para o descobrimento futuro das vindouras gerações –, a nossa literatura é mar de brasilidade condensado.
Caso é de se reler, desta feita, a história da vida estreita de um herói injuriado: Leonardinho, de “Memórias de um Sargento de Milícias” (de Manuel Antonio de Almeida, publicado entre 1852-1853). Que grande é o nosso grande-primeiro herói! Vivas a Leonardinho, personagem tão real que atual – apesar de há tanto criado. Com Leonardinho, já entendemos que, na terra do Pau Brasil, ser herói é ser malandro, larápio, esperto. Malandragem por aqui ganha respeito – e ter respeito é desrespeitar o que parece certo, é contestar o bem-estar dos que estão quietos.
Enganando, mentindo e sendo ele mesmo o único beneficiário de seus sacrifícios, Leonardinho personifica o amor do Brasil aos vícios. Então, exaltemos, pois, sua vitória! Que o menino, de tanto malandrar, subia na vida a cada novo defeito-feito. A igreja o expulsou. A família não o quis. Da escola ele tripudiou e fugiu. Amores não lhe causaram afetação. Mas seu destino foi, depois da prisão, o da consagração na utopia geral de um povo que aos ferozes acaricia. Leonardinho ganhou posto nas milícias. Virou sargento virado. Herói das fileiras em carteiras oficiais – sem deveres ou trabalhos reportados, é claro. Para melhor não se viu outro nascido, jamais.
E os anos já se vão de nossa história que não passa e que não muda. Cantemos, assim, as delícias de nosso engenho: Leonardos, Macunaímas e Brás Cubas a fulgurarem no céu de um Brasil tão estrelado. Literatura melhor não há. Ficção melhor não se encontra. Que em nossa terra chã, a mentira, em se plantando, dá de ponta a ponta.
Alê Bragion é um dos editores do Diário do Engenho.