Licença maternidade: quem importa mais, a criança e a mãe ou o empresário?
por Paola Goldenbaum
Este artigo surge de um sentimento pessoal, de uma questão muito particular, porém que pode ser um sentimento e um questionamento de muitas outras mulheres. Quando penso na maternidade, na mais vaga possibilidade de me tornar mãe um dia, é inevitável, o primeiro sentimento que desabrocha é o de incapacidade. Uma completa incapacidade de conciliar a maternidade com a vida profissional, a certeza de que uma das duas sairá prejudicada. Em seguida, emerge o conforto, alguma paz proveniente da possibilidade de uma licença maternidade.
É verdade que não existe uma solução ganha-ganha quando tentamos equilibrar maternidade e carreira, para a grande maioria da população haverá momentos de decisão doloridos. A licença maternidade é uma pausa na carreira e, muitas vezes, uma desculpa usada por patrões para não contratar mulheres ou pagar-lhes salários inferiores. No entanto, ela é a única resposta para a maternidade no mundo moderno e devemos lutar pelo direito de criarmos nossos filhos e sermos profissionais reconhecidas em nossas áreas ao mesmo tempo. E agora entra a minha crítica ao sistema brasileiro: apenas quatro meses de licença é vergonhoso! (Existe uma legislação que encoraja empresas a oferecerem seis meses, o que é também uma piada).
Alguns fatores que demonstram a ineficiência de uma licença maternidade tão curta: segundo a Organização Mundial da Saúde o aleitamento materno deve ser exclusivo até os seis meses e continuado até pelo menos os 24 meses da criança estarem completos; crianças com menos de 12 meses não têm sistema imunológico suficientemente desenvolvido para conviver em um aglomerado de crianças e adultos desconhecidos; os níveis de cortisol – hormônio do estresse – de uma criança até 36 meses sobe muito quando é separada dos pais por um período extenso de tempo, podendo deixar sequelas cerebrais permanentes. Muito se falou sobre os jardins de infância no último século e os resultados das pesquisas são em sua vasta maioria convergentes: a idade segura para começar uma jornada diária com carga horária entre quatro e oito horas afastado da família não pode ser antes dos três anos completos. São diversos os dados que foram avaliados pelos pesquisadores, entretanto o mais alarmante têm sido realmente os altos níveis de estresse a que estes bebês e crianças são expostos ao serem separados de sua pessoa preferida. Isto porque foi descoberto que os bebês estabelecem em seu meio adultos que funcionam como um modelo para eles. Muito cedo eles percebem que com os adultos eles ganham aprendizados sofisticados e também segurança. Os pais se tornam pontos de referência do que é certo, errado, comportamentos desejáveis e indesejáveis. Eles também passam a desenvolver com os pais ligações emocionais e sociais que os guiarão em seus relacionamentos no futuro. Quando este elo se quebra e o bebê é colocado em um ambiente onde ele precisa competir pela atenção do adulto e perde a noção de segurança previamente estabelecida com a família, os níveis de estresse sobem atrapalhando seu desenvolvimento e causando efeitos no cérebro que variam em gravidade. Não é minha intenção aqui “assustar” os pais sobre os malefícios da escolarização precoce, mas sim expor a importância da luta por uma legislação descente para a licença maternidade.
Não é por acaso que nas últimas décadas a União Europeia tem legislado em favor de manter os pais em casa durante os primeiros anos das crianças, apesar dos custos para a previdência social. Eu não conheço particularmente as leis de todos os Estados membros, mas sei que são, em geral, semelhantes às leis da Alemanha, país onde vivo. Resumidamente, listarei aqui os principais pontos da lei alemã referente à licença parental, a começar pelo fato de que mãe ou pai podem usufruir dela! O casal pode escolher um dos dois para ficar em casa com o novo bebê, ou mesmo dividir o tempo entre os dois. Às disposições gerais: a licença pode se estender por um período de até 36 meses a partir da data de nascimento da criança, dos quais 12 meses são remunerados; a partir do momento em que a mulher comunica que está grávida, o patrão fica impedido de demiti-la; desde oito semanas antes da data prevista para o parto até oito semanas depois do nascimento a mulher é proibida por lei de trabalhar por proteção a sua saúde, recebendo seu salário integral; além disso, a mulher tem direito de trabalhar menos horas por semana ao voltar de sua licença até os 12 anos da criança; e uma nova alteração na lei agora permite que os pais usem estes 36 meses de licença a que têm direito ao longo dos oito primeiros anos da criança (por exemplo, a mãe decide tirar a licença, fica 12 meses com a criança, volta a trabalhar e escolhe usar os 24 meses restantes da licença quando a criança estiver com seis anos, para acompanhar mais de perto a fase de adaptação escolar dela).
Em vista do exemplo da Alemanha, percebe-se que é possível uma legislação que coloque as necessidades da criança em primeiro lugar, a despeito dos interesses do empresário. E isso é essencial, tendo em vista os possíveis problemas futuros que uma escolarização (creche ou jardim de infância) precoce pode acarretar. É preciso irmos às ruas e exigirmos nossos direitos. E eles não acabam na construção de mais creches, pelo contrário, começam no direito de termo mais tempo com nossos filhos sem corrermos o risco de perdermos nossos empregos. Mulheres brasileiras, vamos nos unir e mostrar nossa força aos congressistas. A Declaração Universal dos Direitos da Criança estabeleceu em 1959 que todas as crianças têm direito ao desenvolvimento físico, mental e social plenos, e, segundo indicam diversas pesquisas na área infantil, isto se dá de forma mais efetiva no contato integral com a família pelo menos até completar o primeiro ano de vida, e a escola em período integral não deve ocorrer antes dos três anos. Portanto falemos de nossos direitos como mulheres e como mães e demos voz aos direitos nossos e de nossos filhos.
Paola Goldenbaum é estudante de Pedagogia e ativista social, especialmente nas áreas de Direitos da Mulheres e Acesso à Educação. É membra dos grupos ‘Mulheres da Resistência no exterior’ e ‘Resistência Democrática Judaica’.
Sensacional artigo, uma excelente reflexão para se colocar em prática, ação