No Congresso dos Besouros, havia enorme atividade,
e um zum zum percorria os ares, entre o murmúrio da multidão,
e o zunido constante de milhares de asas, enquanto as autoridades
buscavam as melhores cadeiras, reservadas apenas
aos que tinham mais poder de voto, muito embora votassem todos, segundo o critério centenário
de um sufrágio por pata – excluídas, é claro, as centopeias e as lacraias.
Todos engravatados, em nome de Deus, pátria, família e ovos incubados,
os discursos se sucediam, desde o Titan amazônico, de voz grave e poucas palavras,
até o venenoso Cantárida, de língua ferina e vocabulário tóxico (que alguns dos antigos
consideravam afrodisíaco).
Todos, todos sem exceção, exaltavam a si próprios, de olho
nos resultados da aferição das pesquisas, que davam a vitória a um e a outro,
ao sabor do avanço do pleito, das promessas,
das juras patrióticas e dos apelos à religião.
Houve um momento tenso, quando um grupo de minhocas,
não convidadas para a festa, irromperam em cena, reivindicando seus direitos,
como lavradoras do solo,
produtoras de húmus e fertilizadoras maiores,
sem as quais sequer haveria produção,
mas, não tendo patas, foram prestamente cortadas em pedaços pelas tenazes
dos eficientes corós-das-pastagens, habituados a predar raízes, sementes e outras partes.
Ao final, depois de todas as recontagens, elegeu-se,
pela suspeita vantagem de um voto,
o iridescente Glorioso, de cor verde, americano, que prometeu governar
por Deus apenas, ignorando toda regra de decência política,
e aproveitando-se da piedosa credulidade dos Rola-bosta, que, como é sabido, compõem
a maior bancada dentre toda a gente que vota.
E assim retornaram todos às suas casas e tocas,
sob os protestos do segundo colocado, o Rinoceros, que, apesar do enorme chifre,
ornamental, já em ninguém metia medo.
O vencedor pigarreou, e, enquanto se dispersava a patuleia,
pronunciou longo discurso ao salão vazio, desfiando as mesmas promessas,
que a cada eleição de repetem.
E sob o olhar austero dos escaravelhos milenares, assinou o Livro das Mentiras,
com letra caprichada e estilo rebuscado,
prometendo cumpri-las todas, nem que, para isso,
tivesse que dar sua vida, mas, é claro: não, muito obrigado.
Tito Kehl é arquiteto, escritor e presbítero pela Ordem Hospitalar Sanjoanita. Autor de diversos livros, publicou em 2023 – pela editora Terra Redonda – o livro “Poemas ao Deus Desconhecido”.