Justiça Histórica – A Consciência Negra é Decolonial

Justiça Histórica – A Consciência Negra é Decolonial

Mesmo no contemporâneo, com toda rede de informação, o processo de apagamento histórico ainda persiste, com a força e dimensão de uma violência que é real e efetiva, atingindo corpos e ceifando vidas negras, mas que é também simbólica, negando toda beleza e pujança criativa de uma ancestralidade que remonta desde a África. Já é tempo de dar lugar à justiça histórica, rompendo com as estruturas que somente buscam silenciar, negar e apagar, a partir das estratégias do pensamento colonial, a dignidade que desponta estampada na cor da pele preta.

É necessário e também urgente se revisitar a história, em um movimento de reparação, a partir de uma abordagem decolonial, recuperando tudo que se perdeu sobre a mãe África, ao longo de um perverso e ideológico processo de séculos de apagamento. Não é possível mais prosseguir negando ou mesmo ignorando que o continente africano, com toda a sua potência étnico-cultural, ofereceu as bases mais remotas para o processo civilizatório, em todas as áreas do conhecimento. Essa verdade histórica precisa se tornar pública, sendo, inclusive, ensinada e enfatizada nas salas de aula, em seus vários níveis de formação.

A justiça histórica, partindo da análise crítica decolonial, pode ter a força e a perspectiva de iluminar as mentes mais fechadas, evidenciando que as posturas racistas e preconceituosas são vazias, não tendo nenhuma base de sustentação. Até que ponto o conhecimento mais crítico pode, de fato, trazer uma percepção ética das relações humanas e da própria vida em sociedade? O conhecimento sobre a verdade histórica pode redimir e libertar de uma visão limitada, racista e cheia de preconceitos. Ao menos essa sempre foi a concepção da filosofia: o conhecimento da verdade guarda uma força emancipadora.

Para além de esclarecer mentes, libertando das expressões do racismo e do preconceito, a justiça histórica consiste ainda de um movimento de efetiva reparação, por meio de políticas públicas afirmativas, que cumprem a função de promover o resgate da dívida social para com a população negra e afro-descendente. As barreiras racistas, herança maldita do colonialismo, agora perpetuadas na lógica de opressão e exploração do próprio capitalismo, devem ser derrubadas a partir da denúncia e enfrentamento das estruturas que excluem e segregam a população negra, que ainda se encontra alijada de seus plenos direitos de cidadania.

A negação da história, em uma estratégia suja e manipuladora, tem sido utilizada constantemente como fundamento ideológico para se justificar dinâmicas de violações sistemáticas dos direitos políticos, sociais, civis, econômicos, culturais, religiosas etc. da população preta e afro-descendente. No campo mais específico das relações de trabalho, na dinâmica de opressão e exploração de classe, torna-se fundamental se considerar os mecanismos que demarcam o racismo institucional e estrutural, que cumprem a função de posicionar a população negra em uma condição de cidadania rebaixada, ora por meio da total negação de direitos, ora enfrentando situações cotidianas de constante violação dos direitos considerados fundamentais.

A consciência negra é sempre crítica e decolocial, apontando caminhos para o surgimento e despontar de uma outra concepção de relações humanas, capaz de suplantar todas as expressões de racismo. A justiça histórica, cumprindo a tarefa de reparar os desvios promovidos pelo pensamento colonial, recoloca a dignidade da história humana construída desde o imenso, rico e diverso continente africano. É tempo de se recuperar a história perdida da população preta, em um vasto movimento de reparação e reconhecimento das tradições culturais – em todas as áreas do conhecimento humano – oriundas da grande Mãe África.


Adelino Francisco de Oliveira é professor no Instituto Federal campus Piracicaba.

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