Considerado um dos mais promissores compositores do século XXI, Jean Goldenbaum já teve parte de sua obra gravada por orquestras e grupos de câmara de diversos países, como Alemanha, Finlândia e Brasil. Morando em Piracicaba há pouco tempo, Jean leciona a disciplina de composição musical na Escola de Música Maestro Ernst Mahle.
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Jean, qual é a sua formação? Onde você estudou e como chegou à música?
Hoje acredito que a música despertou-se em mim em meus primeiros momentos de vida. Sempre fui uma criança musical e, aos oito anos de idade, tive minhas primeiras aulas de piano e violão. Quando me tornei adulto, soube com clareza que a música seria minha profissão, da mesma forma que tive a certeza de que me dedicaria integralmente à composição musical. No Brasil tive a felicidade de ter como mestre o Maestro Sergio Chnee e de me formar na USP. Parti então à Alemanha, onde minha formação musical se deu em sua maioria. Lá vivi intensamente a criação musical, a educação musical, a filosofia musical em todos os seus degraus, me formando Doutor em Musicologia pela Universidade de Augsburg no presente ano de 2013, sob a orientação de meu outro grande mestre, o Prof. Dr. Johannes Hoyer.
Sua obra já foi gravada na Europa e você já foi convidado para oferecer cursos de composição por lá. Qual sua relação com a Europa?
Minha relação com o velho continente é a mais positiva possível. Só tenho a agradecer à Europa e sobretudo à Alemanha, país onde sempre fui bem recebido e me senti a vontade em todos os aspectos. Tive minha obra apresentada, gravada e publicada em países como Alemanha, Áustria e Finlândia, e proferi diversas palestras pelo continente. Pude também lecionar tanto a crianças quanto a alunos de graduação da universidade onde realizei meu doutorado. O conhecimento sobre a Música e o respeito pela profissão de músico é por parte do povo europeu muito maior do que na América Latina. Sou cidadão de ambos os países, Brasil e Alemanha, e minha vivência entre estes dois mundos tão distintos em termos culturais e sociais me ajudou bastante em minha busca por evolução espiritual e intelectual.
Há mais espaço para a música erudita na Europa ou nos EUA? Como você analisa a produção musical nesses dois “mundos”?
Acredito que Europa e EUA se equiparam no que diz respeito à qualidade, espaço e produção da música erudita. A meu modo de ver, estes se consolidam atualmente como os dois principais centros mundiais da música – e assim há de ser por um longo tempo, em vista que a mentalidade da população e o sistema educacional (não somente o musical) conspiram a favor.
Como tem sido a sua experiência em relação ao ensino da composição musical aqui em Piracicaba?
Piracicaba parece estar aos poucos crescendo cultural e artisticamente – e isto é ótimo! Há, sem dúvida, muito competentes intérpretes, professores e amigos da Música por aqui, com quem tenho tido o prazer de trabalhar e conviver. Todavia, o que ainda me parece aquém do que deveria e poderia ser é a mentalidade da população de modo geral com relação a tudo o que é novo. Artisticamente me refiro tanto ao âmbito estético quanto ao pedagógico. Sustento minha colocação através de um exemplo: o ensino da composição musical é algo que naturalmente se estende a poucas pessoas, uma vez que poucos possuem o talento, o desejo e o comprometimento com esta disciplina. Desta forma, os alunos são poucos em quantidade, mas considero isto normal e até saudável. Sendo assim, criei paralelamente um segundo curso, chamado “Pensamento Livre da Música”, o qual ofereço na EMPEM. Este curso possui uma concepção moderna e peculiar. Ele se estende a qualquer pessoa, independentemente de seu conhecimento prévio musical, ou seja, abrange desde leigos amantes da música que, por exemplo, queiram saber sobre História da Música, a doutores em música que queiram fomentar uma alta discussão filosófica sobre a arte. Isto é, o curso é direcionado com relação à demanda do aluno, para que a arte possa agir sobre o mesmo da forma que ele necessita e requer, com o intuito de fazê-lo, acima de tudo, crescer como ser humano. Aos poucos percebi que às pessoas de Piracicaba a minha proposta neste curso parece causar ainda um pouco de estranheza. Este receio inicial não é grave, mas não procurar superá-lo e não desejar transcender a mesmice é.
Mas enfim, tudo possui o seu tempo e espero humildemente contribuir com o desenvolvimento do pensamento humano onde quer que eu esteja.
Você acha que a música dos compositores contemporâneos é mais difícil de ser aceita pelo público não especialista? Como você sente a recepção da sua obra aqui no Brasil e fora?
Sim, sem dúvida. Quanto mais uma pessoa puder conhecer sobre um assunto e adentrar-se em seu universo, mais apta estará ela a compreender a sua essência. A música contemporânea, mais do que aquela que a precede, necessita de contextualização, uma vez que sua estética é muitas vezes estranha ao homem de hoje. A boa notícia ao ouvinte leigo é que não é necessário se tornar um especialista em música para enriquecer-se com ela. O que é essencial é querer se desenvolver como ser humano, esforçando-se a compreender amanhã o que ainda não se compreende hoje. Esta é a proposta maior de minha obra, o que chamo de Missão: fazer com que o ser humano que se põe em contato com minha Música sinta-se instigado, positivamente provocado a refletir sobre as questões estéticas e temáticas que nela veiculo. Através desta reflexão há de surgir primeiramente o desenvolvimento intelectual e em seguida a evolução espiritual. E através da evolução espiritual poderemos formar novos homens prontos para construírem um novo e melhor amanhã, dirigido pelo Respeito, pela Liberdade e pela Paz.
Podemos classificar, de alguma forma, a música que se faz hoje no campo das composições eruditas? O “pós-moderno” já morreu também ou ainda vivemos a pós-modernidade na música?
A história da música é repleta de rótulos e, pessoalmente, vejo isto como natural e saudável. O ser humano busca classificar o passado a título de melhor compreender a era em que vive. Assim, penso ser desimportante a maneira com a qual nomeiam a nossa atual época, porquanto muito em breve termos como “pós-moderno” ou “neo-moderno” não hão de se sustentar mais por motivos puramente cronológicos. O que de fato importa a mim, enquanto compositor da primeira metade do século XXI, é compreender o cenário em que me encontro e, a partir disto, possuir o meu estilo próprio de composição musical. Hoje me sinto feliz e satisfeito com minha identidade estilística, uma vez que possuo um sólido alicerce filosófico sobre o qual construo minha arte e disponho minha criatividade, sempre buscando humildemente contribuir com os valores do Bem no mundo.
Como se dá o seu processo de composição? Você tem um cotidiano? Você compõe todos os dias? Há algum método de trabalho que você obedece?
Com frequência me colocam esta pergunta e ela é de fato pertinente e interessante. Respondo-a da seguinte forma: para mim, compor música é parte integral de minha existência. Assim, estou 24 horas por dia e sete dias por semana compondo, uma vez que todo o meu espírito e intelecto se encontram em contínua e constante busca por evolução. Esta evolução há de florescer na forma que escolhi para veicular minhas contribuições ao mundo, a música. Cada fase de minha criação possui um processo, desde sua gênese, quando penso em uma obra pela primeira vez; até seus ajustes finais na partitura. De fato, para mim, a música só sai de meu corpo, ou seja, à partitura, quando já está concebida em grande parte dentro de minha alma e minha mente. É uma criação trabalhada com todo Amor, atenção e dedicação.
Como foi trabalhar com o poeta Ferreira Gullar, tornando-se o primeiro compositor de música erudita a musicar seus poemas?
A oportunidade de trabalhar com Ferreira Gullar foi muito gratificante e considero um dos pontos altos de minha carreira. Conhecemo-nos por intermédio de um amigo, e eu propus musicar alguns de seus poemas. Refleti bastante sobre a escolha dos poemas, história que conto em um breve documentário que está disponível online. Ele apoiou o projeto desde o início e mantivemos contato por todo o processo criativo. Quando tudo ficou pronto, gravamos a obra (a soprano Carla Domingues e o pianista Cláudio Thompson fizeram um belíssimo trabalho) e encontrei-me com Gullar em seu apartamento em Copacabana. A obra se chama Ferreira Gullar & Jean Goldenbaum: Três momentos em Poesia e Música e faz parte de meu terceiro álbum. Ter tido a oportunidade de trabalhar com aquele que, em minha opinião é o maior poeta contemporâneo, é algo que me traz grande satisfação.
Esta é minha poética, minha visão e entendimento pessoal sobre esta pergunta: a Música é uma ponte, através da qual veiculo, transmito, ofereço ao mundo aquilo que acredito e defendo com todas as minhas forças e fé: o Bem e todos os seus filhos, o Amor, a Verdade, a Liberdade, o Respeito. Pelos títulos de minhas obras (Sinfonia do Bem, Concerto ‘Que todos os ditadores caiam’, Concerto ‘O Universo há de conspirar pelo Amor’, Missa pelo Entendimento entre todos os Homens, Concerto ‘Triunfo da Razão’) pode-se notar minha preocupação com a temática. Unida à temática, a estética completa sincreticamente o dualismo necessário para incitar o ser humano à reflexão.
Quais seus projetos atuais?
Meu objetivo é prosseguir construindo o caminho no qual venho trabalhando ininterruptamente há anos. Continuarei como sempre compondo equilibradamente, nem mais nem menos do que acho que deva fazer. Já compus algumas dezenas de obras e felizmente a grande maioria delas já foi estreada, seja na Europa, seja no Brasil. Possuo três CDs lançados e com muita humildade e serenidade tenho tido espaço para veicular minhas idéias ao mundo. Assim, o intuito é seguir com minha produção, me envolvendo sempre com amigos e colegas da Arte que acreditam em e compartilham com minhas concepções, com o escopo de oferecermos ao mundo as positividades que ele necessita. Estou também há um bom tempo trabalhando em meu livro (que no momento adequado há de ficar pronto), no qual exponho minha cosmovisão e meus ideais ao redor da Composição, Estética, Poética e Filosofia musical.
Que mensagem você poderia deixar para os nossos leitores?
Antes de tudo agradeço o convite do Diário do Engenho e parabenizo sua equipe pela iniciativa em nome da Arte e da Cultura de Piracicaba. Aos leitores, deixo a mensagem que busco veicular em cada nota musical que escrevo no papel: busquemos evolução espiritual, cresçamos como seres humanos e defendamos o Bem a cada ato, a cada passo, a cada pensamento. O meu caminho é a Música. Mas independentemente da atividade profissional ou do contexto social de cada um, todos possuem o livre arbítrio a se tornarem soldados da Paz, do Amor e do Respeito ao próximo.