Deito-me na relva para ser Caeiro. De olhos fechados, ponho-me nu, entregue, inteiro. Depois, abro os olhos e vejo-me real: estou deitado no canteiro do quintal, não tenho relva que me valha nem amor por mim verdadeiro.
Tomo as coisas nas mãos para achar graça, e então percebo que não vejo o que possa ser tão bonito num tempo feito de desgraças. Devo mesmo estar doente dos olhos – e devo a mim mesmo esse defeito, de pensar mais que consigo, de amar mais que perfeito, de negar o que seja só o de se ver, sem nunca deixar de ponderar sempre o efeito.
Sinto como o Mestre, no entanto, e para meu próprio espanto sinto tanto desencanto que meu canto é pranto constante ao cair da tarde que me invade em rebanhos-pensamentos-emoções.
Saudade. Sinto saudade de quem se foi, de quem nunca mais se viu. Sinto saudade de quem nem sei se existiu ou não existiu. Sinto saudade de sentir saudade até – porque ninguém escolhe sofrer ou quase. Por isso, sinto que acho que sinto, talvez de verdade (quem diz?), a grande ilusão da vida – presente nessa dor que a gente não sabe bem onde sente nem quando e por que sentiu.
Assim, e depois de tanto sofrer sem saber o porquê, finjo que sinto também a plenitude do ser que o mistério das cousas esconde por trás de nossa pele grossa. É abril. O sol já deveria ser ameno, mas resiste. Meu jardim de gramas secas, porém, sabe que as estações mudaram. O vento insiste. Disfarço com ele. Talvez sejamos uma coisa sendo outra. Talvez acreditemos – como o verão que persiste – que somos como sol a fazer pro bono – enquanto escondemos da vida (e do jardim) o nosso verdadeiro outono.
É abril – já se foi a Páscoa que não vivo. Volto a Caeiro. Volto porque sei com ele que meus meio-dias de fim de primavera (e de verão) são o ano todo assim – e não deixam brotar em mim mais do que um pálido autoconforto, pois não espero nunca que a complacência se interesse por mim. Também não sei a verdade – e, como ele, não sou feliz. Não tenho o menino Jesus comigo nem vejo as moças que levam na estrada as bilhas à cabeça.
Sei somente que não sou nem o último nem o primeiro, e que não terei quem me adormeça nos braços do para sempre da relva seca do meu jardim ou num colo-regaço qualquer de minha própria e tão pequena aldeia – esquecida eternamente dentro de mim.
(Poesia-crônica extraída do livro não publicado “Casa Burguesa Sem Chave” – finalista do Prêmio Cláudio Willer de poesia de 2023, da União Brasileira de Escritores – e publicada neste sábado, 13 de abril, também em “A Tribuna Piracicabana”).
Alexandre Bragion é editor do Diário do Engenho.
Lindo! Eu diria, parodiando, que “o jardim de El Retiro não é mais bonito que o jardim do Parque da minha aldeia, porque o jardim de El Retiro não é o jardim do Parque da minha aldeia!”
Abraço com saudade de você
ahaha… perfecto! Um abraço e obrigado, Cris!