Todas as crises que se arrastam por muito tempo levam a cansaços tais que as pessoas apenas quererem sua solução – seja qual for, mais ou menos justa, mais ou menos reparadora, mais ou menos adequada. É quando se começa a inverter o papel de cada um nas defesas ou acusações que se acumulam de todos os lados.
De certa maneira, apostando no longo tempo ofertado inclusive pela Justiça para quitarem seus débitos com mais de 10 mil credores, eis que os metodistas já começam a ter suas iniciativas, senão aplaudidas, ao menos consideradas adequadas. Basta ver algumas reações nas redes sociais após dois leilões, no prazo de apenas uma semana, entregando imóveis de instituições de ensino em Juiz de Fora e Lins.
Ora, não há nada de adequado – para uma Igreja que possui bens, que se enriqueceu e se manteve ao longo de décadas também pelo que recebia financeiramente das escolas – simplesmente encerrar suas atividades, assim como vender os prédios onde funcionaram. O desfazer-se de espaços centenários da memória de uma história de compromisso com a educação – que afetou comunidades, que moldou gerações em algumas cidades, imóveis que foram (alguns) inclusive recebidos como doação – precisa ser criticado, contestado, seja em que tempo for.
Ninguém jamais negou que à Igreja caberia – inclusive por questão legal – pagar a todos – cumprindo acordos dezenas de vezes firmados e deixados de lado, respeitando gente que precisa do salário em dia para sobreviver, respondendo adequadamente a docentes e funcionários que tiveram que recorrer a longos processos para tentar receber o que lhes era devido (e continuam à espera).
O fato é que a Igreja Metodista, enquanto instituição, possui um patrimônio espalhado pelo país que vai muito além de seus templos – que também não precisariam ser leiloados para que a dívida fosse quitada, ao contrário do que querem fazer crer seus gestores. Em seu rol de ativos existem apartamentos, terrenos, casas, até áreas rurais. Imóveis comuns, utilizados para finalidades diversas, inclusive de acúmulo de aluguéis.
Então, considerar que é “boa notícia” ver os prédios centenários das escolas serem vendidos parece ser uma inversão absurda de como entender toda essa crise da educação metodista. Até porque, pelos números até hoje apresentados no processo de recuperação judicial, mesmo se vendidos todos os imóveis listados, ainda assim o auferido não será suficiente para pagamento integral a todos os credores – embora a necessidade e a vontade de receber o que lhes é devido faça com que muitos imaginem que será.
Festejar os leilões é, de certa forma, validar um comportamento que a Igreja há muito vem adotando de total desrespeito com toda a comunidade envolvida em suas escolas nas últimas décadas. Desrespeito para com alunos com imensa dificuldade em conseguir documentação para transferência para outras instituições ou para receberem diplomas de cursos já concluídos. Desrespeito com professores que optaram por começarem e chegarem à sua maturidade acadêmica nestas instituições e que foram demitidos sem justa causa por simples emails, depois de anos de dedicação. Desrespeito com os funcionários, especialmente os mais simples, alguns mantidos até praticamente o fechar de cada unidade, sem receberem salários em dia, sem liberação de vale transporte e vale refeição, sem cumprimento de acordos, sem condições mínimas de poderem até mesmo fazer refeições em espaços dignos e com adequada higiene.
Não seria preciso se desfazer de muitos desses imóveis centenários das escolas que já não existem – muitos deles de tão reconhecida importância que tombados pelos conselhos de preservação cultural e do patrimônio público de suas cidades – para honrar as dívidas. Fosse em tempos anteriores, as soluções viriam certamente diferentes.
Melhor entender que – há muito – questões de poder, patrimônio e controle se fizeram prioridades para a Igreja – ao invés dos compromissos inicialmente propostos para sua área de educação. Antes de, seja por cansaço ou por ignorância, se dizer que os leilões realizados são “boa notícia” seria melhor repensar essa questão.
Beatriz Vicentini é jornalista.