Homens de ciência e religião, arriscai-vos! Abri vossos corações e mentes
para o inconcebível e o inimaginável, saltai
por sobre os montes da certeza, deixai-vos despencar
pelos abismos do insondável, praticai a verdadeira ciência,
aquela que não nega o objeto, apenas por não tê-lo provado,
deixai-vos arrastar por essa corrente de incertezas,
esse eflúvio de dúvidas e quimeras, essa irrupção
de miasmas à flor de nossa pele intacta, deixai que se rompa
a epiderme, em furúnculos mágicos, dos quais brotarão cogumelos
lisérgicos, a destruir as portas da consciência comum,
e vos levar ao Reino das Águas Claras, onde a princesa Narizinho
contrai núpcias com o Príncipe Escamado,
e é nesse instante que a barata voa, que o besouro voa,
que o infinito se mostra tal como é, um sistema aberto,
nu e absurdo, que mistura os gêneros, números e graus
numa sopa de letrinhas, temperada com as ervas proibidas
arrancadas de nosso quintal de infância, quando éramos livres,
e ainda não fôramos presa das circunstâncias,
essa criança que falava com Deus sem palavras,
e amava sem ter lido os livros que falam do amor,
e brincava com sapos, e dançava a cada passo,
e havia um mundo desconhecido para ser explorado,
antes que a encaixotassem na hermenêutica, na propedêutica,
na anquilose permanente dos adultos, esses que se perderam,
cuidadosamente trancados onde nada os toque,
onde as grades de suas certezas religiosas e profanas
os mantêm a salvo do bicho-papão da pergunta irrespondível,
e que não quer nunca calar,
muito além dos títulos acadêmicos e teológicos,
muito além do pastô, do sinhô, do doutô,
“oncotô, poncovô, concossô?”
Tito Kehl é arquiteto, escritor e presbítero pela Ordem Hospitalar Sanjoanita. Autor de diversos livros, publicou em 2023 – pela editora Terra Redonda – o livro “Poemas ao Deus Desconhecido”.