Era uma vez uma cidade que, segundo o IBGE, possuía cerca de 423 mil habitantes. Era uma vez, nesta mesma cidade, uma instituição que sozinha, segundo seus dados oficiais, possuía uma biblioteca com 373 mil volumes. Imaginem só, que privilégio: uma cidade que possuía uma biblioteca que, se fosse doar seu acervo, praticamente se garantiria 1 livro por habitante. Mas o dono da biblioteca vai fechá-la. E a gente fica pensando aonde irá parar tudo isso. Dá vontade de chorar…
Prédios são apenas tijolos – com concreto, vidro, alumínio – empilhados com mais ou menos arte. Sua importância se acumula, ao longo do tempo, pelo que acolheram, pelas memórias que entre suas paredes foram construídas, pelo que serviram para fazer com que a vida das pessoas, e em muitos casos a educação e a ciência, se tornasse mais significativa.
Caminhos que se desenham entre jardins – nem sempre tão bem cuidados como deveriam ser – só passam a ser essenciais se por eles circularem ideias, propostas, emoções e processos de construção pessoais e sociais. A beleza do verde, das flores, das árvores que crescem torna-se mais visível quanto mais interage com o que nutre as pessoas que por ali passam.
Estacionamentos são apenas espaços divididos para acolherem veículos que entram, saem, estacionam e ficam à espera de seus donos – que podem estar aqui ou ali dependendo do que buscam, do que oferecem, com o que sonham.
Salas de aula podem ser olhadas como um amontoado de carteiras, mesas e lousas. Mas que, com a mesma semelhança dos processos de acúmulo de conhecimento, vão se fazendo espaços de descoberta, de amplitude do universo, de valorizar vocações e sonhos para um mundo diferente pelo qual valha a pena lutar.
Tudo isso pode ser destruído com o tempo. Assim como laboratórios que se tornam obsoletos, com equipamentos que precisam ser continuamente atualizados para cumprirem sem papel. No ritmo da vida e das comunidades, são espaços que acontecem do tempo destruir.
Há casos, todavia, em que a destruição é fruto do descaso, do desinteresse, de motivos outros que simplesmente o poderia ser natural. Motivos financeiros, motivos ideológicos, religiosos, políticos e, especialmente, de interesses que o tempo alterou e desvirtuou por completo. Destruição também exige projetos claros, mesmo que demandem tempo para serem bem-sucedidos.
É o que envolve o fim da UNIMEP, o leilão do Campus Taquaral que passou a ganhar publicidade a partir de hoje.
Cabe destacar, ainda, que há no centro deste espaço – ao qual colocou o preço quem não entende de história, de luta, de educação, de ajuda a para minorias, de respeito – algo que talvez ainda seja possível salvar. Algo que a comunidade tem que entender e se envolver, num movimento que ou acontece agora ou se contará em breve da triste cidade, com tristes instituições, para quem não importou salvar e preservar uma biblioteca com cerca de 370 mil volumes (com todo tipo de conhecimento ali acumulado – inclusive livros raros -, com um acervo que não se fixa em apenas uma área de ciência ou da educação, também depositária de dezenas de dissertações de mestrado e teses de doutorado daqueles que passaram pela UNIMEP para se qualificarem, para embasarem seu futuro como pesquisadores, docentes e lideres em outras instituições espalhadas pelo país). Estão ali, é bom que se diga, volumes únicos, já que muitos de seus autores morreram. Estão ali, abandonados nos últimos anos (desde a desativação do campus) tratados como mais um móvel, mais um equipamento qualquer. Por fim, vale deixar bem claro: nem tudo está online, nem tudo migrou para o universo virtual. (apenas um pequeno percentual encontra-se acessível na web). O que é mais antigo, ainda de tempos em que o que valia mesmo era o cheio da tinta no papel, só existe na cópia palpável e por tantos já manuseada.
Há muito o que se lamentar da inconsequência, da incompetência e falta de compromisso da Rede Metodista de Educação que, neste momento, decreta em definitivo o fim da UNIMEP. Dizer que ela ainda existe – oferecendo a muito custo apenas dois cursos, num campus central que também vai se deteriorando a olhos vistos – é apenas figura de linguagem. Talvez seja necessário, ainda, um pouco de paciência para que o Ministério da Educação formalize o fato de que ali não há mais universidade alguma.
A biblioteca, porém, que fim terá? Estará envolvida também no leilão? É mais do que tudo isso. É uma postura de dizer que a educação, a ciência e o conhecimento não importam, em absoluto, para os gestores metodistas. Como a Igreja se deixou levar a um patamar tão indigno? Como foi possível entregar esse processo para os que apenas entendem de vendas, negociações, busca de brechas legais para não perderem os anéis, mesmo que para isso possam e venham sendo taxados como caloteiros em potencial?
Nem é possível se falar de um réquiem. O que se enterra hoje, com a oficialização do leilão do Taquaral, é apenas o enterro de uma estrutura putrefata, que seus responsáveis deixaram ir se degradando cada vez mais, sem um mínimo de dignidade, de respeito, de reconhecimento a todos os que a construíram, ao longo de mais um século. Impossível esperar um “resquiescat in pace”.
Beatriz Vicentini é jornalista.
