E lá se ergue novamente uma palavra ponte sobre as palavras cruas que oscilam ao fim da linha do horizonte. Enquanto se remontam fonemas, enquanto outros vocábulos se tornam dores, eis que surge em socorro uma ponte-palavra em quase novas cores. E como parece majestosa e toda falsa. E como, porém, funciona mais do que a contento – ligando um sentimento ruim a expressões sem sentimento.
Pelas pontes do eufemismo, à beira dos abismos, passam a toda hora o interdito, a escolha sem conflito e o desejo reprimido de ir embora. Passam alfabetos de guerra, acentuações eróticas, estruturas sintáticas erigidas como se fossem imensas catedrais góticas. Passam parônimos, topônimos homônimos e um sem-fim de figuras ocas. Passam querosene e gasolina, combustível-veneno a escorrer feito fel de tantas bocas.
E uma ponte assim se liga a outra, e essa àquela mais recente e a outra àquela outra enquanto a semântica dos dias vai (re)simbolizando processos gramáticos descrentes. Até que uma hora, de repente – e assim é a vida – um descalabro de baixo calão fervente se insurge sobre uma ponte que falha, tomba e exibe a verdura da realidade nua sobre os campos da verdade a se fazer presente.
Explodem – então – num mesmo ato átimos de sem-fim concepções. Bum! Cem por um, voam rápidos estilhaços de defeitos, erram a esmo verbos perfeitos como se fossem imperfeitos. E o complexo arquitetônico das pontes até ali construído passa a não ter mais qualquer mínimo sentido sob os escombros lexicais estirados na calçada onde jaz rente o sangue do último diálogo ainda quente.
Duro, todo um mundo – feito diplomacia ausente – enfim eclode sobre o entulho das pontes como que oriundo de um armagedon verbal e profundo que é, sobretudo, matéria convulsa, confusa emoção radioativa, composta somente daquilo que – linguagem viva – quanto mais se esconde mais se sente.
Mas não há tempo nem sismo que dure para sempre. Porque outra vez à beira do abismo, feliz ou infelizmente, eis que surge de novo outro diálogo fervente – contrabandeando corações e mentes. Destarte, lá se ergue novamente – feito início renitente – uma nova palavra ponte sobre as palavras cruas que oscilam – como antes, como sempre – potentes ao fim da linha do horizonte.
Alexandre Bragion é autor do livro “Casa Burguesa Sem Chave” e editor do DE.