“Galo-galo” – crônica de Alê Bragion

Três pancadas em palmas no quintal. O galo era novo, a menina também. Nem bem cinco da matina e o desacorçoo do bicho em canto punha em pé a pobre – que em galo num era glossada nem sabida.

 – São horas? Gente maldormida…

Palmas de novo. Mais três batidas. E o cantagalo, cantando que cantando.

 – Que falta de tino! Na cidade, o de todos sabem que cada um tem no relógio o seu próprio horário. Mas, na roça… Que vida é essa…

Já não bastava o berro do galo, no por cima da manhã vinha um desavisado a por fogo no bicho logo cedo. Mas nem o pão era ainda adormecido, gente! – e o galeco se inflamava e se galava todo, pondo a alma pel`aguela às palmas batidas. Janela aberta, olhos em esbugalhos. Quede o alardeador das aves raras? Sumido na escuridão? Só poderia ter se ido posto em fuga, mesmo.

– Maldito seja!

No mais, agora era levantar – que o dia e o galo já eram nascidos. Paciência.

Galo sozinho não tece manhã? Mais, quê. Na outrora do outro novo dia, palmas na madrugada teceram a rede sonora: três batidas surdas e grossas. Galo-galo! Os olhos da menina vidraram. Não era no impossível? Nem bem a manhã renascia e o galo cantagalava de novo – alimentado pelas palmas sempre de três em três.

 – Maldito seja! Vá provocar o galo da mãe!

E as palma se repetiam à revelia. Na  sequência de amanheceres, as três surpresas pancadas. Galo-galo! A menina voou-se de pé, janela aberta num zás. Sapato na mão, pronto, feito pra acertar testa de animadores de galos na madrugada. Mas na pretidão da orvalhada, só a escuridão do vazio. Fugira de novo, o infortunado. Só o galo se via, posto que disposto, já siscando as pobres galinhas no terreiro – qual motivado que só ele. Manhã forjada no canto do galo. Em pé já estava. Que se havera de fazer?

Pois três vezes se ouviu soar – por muros e janelas – as palmas do terceiro dia. E lá fora o galo, enluado: galo-galo! A menina se encrespou de vez, que na cidade num tinha disso. Já lhe servira a vivência tão breve da vida no campo. Já lhe bastava. Malas prontas pra cidade, que férias se tira no asfalto – sem galo nem palmas na madrugada. Mas as três pancadas foram que foram e se seguiram que repetidas. Em surto, o galo. Galo-galo!

– Mil vezes maldito! Que gosto de besta! Só pode ser provocação!

Alguém sabendo da vinda recente dela? Desforra de algum motivo, atiçava-se o galo às palmas pelas manhãs? Galo-galo! Janela aberta em espreita. Sempre o nada, só o galo – ditoso e galático. Nem mais as palmas. Só o desaparecido. A menina estava que era jurada. A coisa não ficaria assim. Dera-se em fé que pegaria, na manhã seguinte, antes de ir-se embora pra cidade, o tal atiçador de galos.

Já que por três dias fora despertada na antevéspera do sono bom, agorinha resolvera mesmo que não dormiria durante a noite que seguiria. E, feito, ficara que esperara na janela, acordada, à chegada do dono das palmas do galo. Balde de água numa mão, estilingue e pedregulho na outra – que revanche se guarda no fundo da dispensa. Daquela nova matina não passaria. Descobriria a identidade secreta do cutucador de galos – e lhe pagaria à vista, na bodocada. Na ansiedade do prato frio, nem dormira que dormindo. Vingança mal resolvida. Uma hora seria chegada: o instante justo das palmas.

E foi assim, na galada da noite miudinha na janela, que ela viu o mistério se despenando no ar. Nem visita nem vizinho ou qualquer arruaceiro. Apenas o galo, sozinho, no pé da cerca, batendo por três vezes as próprias asas no peito, antes de cantagalar. Mistério no nenhum, que na roça a manhã se faz assim: em rede sonora de bicos. Galo-galo!

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O autor:

 

 

 

 

 Alê Bragion coordena o Diário do Engenho

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( crônica dedicada a O. de Castro)

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