Frei Sérgio, Um Intelectual Gentil

Frei Sérgio, Um Intelectual Gentil

A primeira vez que ouvi relatos sobre o Frei Sérgio foi em março de 1994, nas aulas de Filosofia Política, ministradas pelo professor José Cardonha, o Zé Legal. O nome de Frei Antônio Sérgio também surgia com frequência nas aulas de Metafísica e Ética, ambas sob a regência do grande e já saudoso mestre José J. Queiroz. Quando comecei a cursar Filosofia, já no distante ano de 1994, na Universidade São Francisco, Frei Sérgio já não estava mais à frente do curso, mas seu nome ainda ecoava forte nas muitas memórias evocadas nos cafés, nos corredores e, principalmente, no cotidiano das salas de aula. Fiel a mais genuína tradição do franciscanismo, Frei Sérgio se constituía como um profundo intelectual, um músico refinado, em uma humanidade tomada pelas virtudes da humildade, generosidade e gentileza.

Aqueles cafés, sob a inspiração do professor Zé Legal, tinham a força de transformar os intervalos em momentos singulares de intensos diálogos, acirrados debates e também preciosas e inestimáveis memórias. Cotidianamente, os intervalos ganhavam lugar, no tradicional bairro do Pari, em São Paulo, naquele antigo bar e padaria, em um movimento de se prolongar as aulas mais instigantes. Lá no surrado balcão, tomando um cafezinho, professor Cardonha, com toda eloquência e emoção, cercado por tantos jovens estudantes, que disputavam espaço naquela audiência, recontava trajetórias, recompondo a história do nosso curso de Filosofia, destacando sempre o papel de protagonismo e vanguarda de Frei Sérgio, do mestre Queiroz e da professora Izabel Petráglia.

Frei Sérgio na Casa dos Anjos, com professor Zé Legal e Frei Odair.

Foi ali, no curso de Filosofia, que eu pude caminhar sob os auspícios de Frei Sérgio, mesmo sem ainda o conhecer! Professor Zé Legal, sempre em tom de justa homenagem e elevada reverência, não se cansava de relembrar o ganho e privilégio que foi, para o curso de Filosofia, da Universidade São Francisco, ter Frei Sérgio a frente da tarefa de construir a concepção político-pedagógica daquele curso seminarístico, voltado para a formação de jovens vocacionados da Igreja Católica, mas também aberto a quem mais se interessasse pelo bacharelado e licenciatura em Filosofia. Suplantando toda uma visão que buscava formatar o curso de Filosofia tendo como eixo central o pensamento de Martin Heidegger, como propunha acadêmicos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Frei Sérgio ousou pensar aquele incipiente e singelo curso de Filosofia com identidade original, assumindo como referência fundamental concepções libertárias, forjadas a partir da dura realidade da própria América Latina, em diálogo com a Filosofia da Libertação, de Enrique Dussel.

As alegrias do acaso! Somente no ano de 2000, já na cidade de Piracicaba, é que tive o privilégio de conhecer Frei Sérgio presencialmente, quando, a convite de Frei Augusto Girotto – de memória sempre cheia de saudades –, passei a ministrar aulas no Seminário Seráfico São Fidelix, dos Frades Capuchinhos. Recordo-me que, por ocasião de um encontro entre Capuchinhos, deparei-me, pela primeira vez, com Frei Sérgio, aquele gigante do pensamento humanista. Não foi sem emoção que o cumprimentei, logo ressaltando que tinha estudo Filosofia lá no Pari, na Faculdade dos Frades Menores. Com entusiasta afeição, Frei Sérgio me cumprimentou e, ao longo daquele aperto de mãos, perguntou, com sua voz serena e quase tímida, por Zé Legal e pelo mestre Queiroz.

Sempre na companhia de Dussel! Depois pude estar mais outras vezes em companhia do grande intelectual Frei Sérgio. No Encontro da Filosofia da USF, que passamos a organizar anualmente, sob a perseverante liderança do professor José Cardonha, Frei Sérgio sempre tem sido reconhecido e reverenciado por seu singular legado. Outro dia, na Casa dos Anjos, eu e professor Zé Legal nos deparamos com Frei Sérgio entretido com a leitura do livro de Enrique Dussel, Paulo de Tarso na Filosofia Política Atual e outros ensaios. Estávamos ali para entregar a ele uma singela homenagem do grupo da Filosofia. Frei Sérgio teve a grandeza de continuar sendo um intelectual gentil, livre dos arroubos de arrogância, até seus últimos dias, lá na Casa dos Anjos.

Ao saber da passagem de Frei Sérgio, em uma bela e sentida homenagem, professor Zé Legal escreveu: “Frei Sérgio ficará nas mentes e corações daqueles que o conheceram. Nós o guardaremos para sempre em nossas memórias. E o que é a memória? É a centelha da eternidade.  Frei Sérgio e Mestre Queiroz nos deixaram, é fato, mas apenas no limite físico da existência. Eles permanecerão conosco enquanto nossos corações e mentes não se fecharem para tudo aquilo que eles nos ensinaram. E eles nos ensinaram a sonhar, o sonho possível de uma terra sem males. Viva o Frei Sérgio! Viva o mestre Queiroz!”


Adelino Francisco de Oliveira é professor do Instituto Federal de São Paulo, campus Piracicaba. 

adelino.oliveira@ifsp.edu.br

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