Os ataques violentos à caravana do ex-Presidente Lula, no sul do país, estão a evidenciar a cada dia – na sequência do assassinato da vereadora Marielle, no RJ – a escalada fascista no Brasil. Algo tem que ser feito. A indignação contra esses ataques não pode e não deve, contudo, suscitar a tentação do revide, ainda que a legítima defesa passe a ser considerada. É preciso acreditar decididamente que o caminho está em buscar amparo nas ferramentas do Estado Democrático de Direito. Afinal, a quem interessa a confrontação pela violência? À esmagadora maioria da sociedade seguramente não.
As autoridades instituídas têm que se pronunciar e agir acerca de tais episódios lamentáveis, pois é de sua obrigação. A informação de que os governadores dos estados do RS, SC e PR fizeram corpo mole permitindo que as respectivas polícias deixassem de coibir preventivamente os episódios de violência, se confirmada, é gravíssima e denota conivência.
Nesse sentido, vale lembrar que, diante do que aconteceu no sul da país, a reação do governador Alckmin, ao comentar os tiros desferidos contra um dos ônibus da caravana foi apenas a de afirmar que “…eles estão colhendo o que plantaram”. Ora. Afirmação estarrecedora! Sobretudo para quem é postulante ao cargo de presidente do Brasil.
E o que pensam, dizem e cogitam fazer a respeito da escalada fascista no Brasil, Temer e seu Ministro da Justiça? O silêncio deles, até aqui, diz tudo. Felizmente, os presidentes da Câmara e do Senado repudiaram tais atos de violência. Sem dúvida, um alento.
O STF, na semana passada, pela maioria dos seus ministros, ao aprovar a admissibilidade do habeas corpus impetrado pela defesa de Lula, deu sinais de que cogita não tolerar o esgarçamento do ordenamento jurídico consagrado na Carta Magna. Essa postura, se ratificada, trará segurança jurídica e permitirá estabelecer limites aos patrocinadores da violência.
A crise política brasileira é de tal gravidade que se torna fundamental a proeminência de um poder moderador, vocação por excelência da Suprema Corte do País. Se esse poder avoca para si, como é de sua natureza, com plena independência, o zelo pelo cumprimento inflexível das normas da lei maior do país – reformando decisões equivocadas oriundas de instâncias inferiores da hierarquia, e até mesmo punindo, quando for o caso -, os recalcitrantes, os ânimos exacerbados e polarizados no seio da sociedade serão aplainados e teremos a chance de recuperar a racionalidade necessária para pensar sobre o futuro do pais.
Se a desordem jurídica não for corrigida, seguiremos alimentando o salve-se-quem-puder na esteira do fascismo. Mas, atenção! O STF está sofrendo uma enorme pressão dos que se sentem contrariados, que pouco se importam com a fidelidade à Constituição. Ora, a Constituição!
A preocupação com a delicada conjuntura política, na qual os pressupostos democráticos e jurídicos estão em xeque, não deve se restringir às autoridades investidas de poder. A banda civilizada, democrática, anti-facista, da sociedade tem que tomar pé na situação e, nesse sentido, há que se cobrar das representações sociais e políticas da sociedade civil organizada – sobretudo, as de larga tradição na luta pela democracia e pelos direitos, a exemplo da OAB e da CNBB –, a fim de que se posicionem e se pronunciem sem meias palavras. Muito se espera da ação proativa das personalidades do mundo da cultura e da academia.
Os punitivistas de plantão, alguns deles com assento no próprio STF, argumentam que o ordenamento legal brasileiro é pródigo em brechas, de que se valem os criminosos para se safarem dos rigores da lei. Nessa linha, a defesa da democracia, do direito e da paz é, segundo esse tosco pensamento, para tão-somente proteger a figura de Lula, para livrá-lo das garras da justiça, em favor da impunidade. Nada mais falacioso e oportunista.
Lula está lutando para provar sua inocência e o faz não apenas na frente jurídica, mas também na trincheira do diálogo direto com o povo. Trata-se de um direito líquido e certo seu. Do mesmo modo que é dever do sistema judiciário julgá-lo com isenção, sob o crivo dos pressupostos do Direito. O seu julgamento, contudo, convenhamos, tem sido marcado pela parcialidade, pelo açodamento e, sobretudo, pela ausência absoluta do essencial – as provas do delito.
Lula foi condenado em primeira e segunda instâncias com base exclusivamente em convicções, causando assombro e perplexidade entre juristas de prestígio, aqui e no exterior. A pena que recebeu em segunda instância foi, inclusive, ampliada para impedir a prescrição do seu cumprimento, uma manobra sórdida que não honra o judiciário brasileiro.
Ressalvadas as sempre honrosas exceções, a prestação jurisdicional foi se politizando no Brasil ao longo dos anos e adquiriu uma forma assustadora na atual conjuntura, fragilizando o ordenamento jurídico do país. Pouco ou nenhum respeito à hierarquia, abusos no uso de medidas cautelares, pronunciamentos fora dos autos processuais, excesso de exposição midiática e por aí vai – sem falar de decisões proferidas não fundamentadas em provas irretorquíveis.
É de se insistir na questão: a ferrenha e odiosa campanha que setores da sociedade desferem contra o ex-Presidente Lula, exigindo sua prisão, está associada verdadeiramente ao combate à corrupção e à impunidade? Certamente que não, caso contrário panelas estariam sendo batidas pedindo a cabeça de outros próceres da vida política nacional: ou será que Temer é um exemplo da moralidade? Aos amigos, tudo, aos inimigos, a lei?
Na verdade, o que está em questão, por detrás da cruzada moralista é a disputa por projetos distintos de país – nem sempre percebida pelos “cruzados”, utilizados como massa de manobra pelos interesses econômicos dominantes. O ex-Presidente Lula representa o projeto nacional desenvolvimentista e democrático, promotor de direitos e de melhoria da situação social das camadas mais pobres, que está irremediavelmente em conflito com o projeto neoliberal, antinacional, submetido à lógica do mercado e da globalização financeira.
As forças da obscuridade descartam o processo democrático, natural e saudável numa sociedade civilizada, para solucionar esse conflito. Ao contrário, preferem o autoritarismo, a chicana jurídica, a mistificação midiática e o uso da violência política para impor a sua vontade.
Não podem passar.
Formado em economia pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em economia pela Universidade de Campinas (Unicamp).
Foi professor na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas e na Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), onde também coordenou o curso de economia.
Um dos fundadores do PT de Piracicaba, foi Deputado Estadual (1986), Deputado Federal (1995-2000) e prefeito de Piracicaba por dois mandatos (1989 a 1992 e 2001 a 2004).
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