“Tem vaga aqui, pode chegar que cabe!” grita o manobrista/guardador, voluntariando-se para ajudar. “Mais pra trás, mais pra trás! Vem de vez! Não vai bater.” Você adoraria que ele parasse de interferir na manobra. “Tudo bem. Eu me viro”, você grunhe sem esperança de que o caçador de gorjetas vá embora. “TONC!!!” ressoa um tapa na lataria do carro. Bem adestrado por incontáveis manobristas anteriores, você entende o sinal e freia. “Deu! Tá bom! Agora esterça, esterça! E vai pra frente!” Por fim, você estaciona e se compromete a pagar uma cervejinha se seu carro continuar em ordem até a hora de ir embora.
As ocupações de menor prestígio costumam ter nomes longos como se a hipocrisia politicamente correta pudesse compensar a marginalização. É o caso dos “manobristas/guardadores de carro voluntários”, título pomposo dos “flanelinhas”. Esses mestres do constrangimento nada têm a ver com os manobristas profissionais, que atuam em estacionamentos de shopping centers ou de eventos particulares.
Os manobristas de elite trabalham em festas da altíssima sociedade, como casamentos de filhos da corruptocracia nacional. Precisam usar luvas porque tocar num sub-Porsche qualquer lhes dá urticária. Olham com nojo mal-disfarçado para convidados que ousam dirigir os próprios sedãs. Em geral, não roubam moedas nem objetos de menor importância encontrados no interior dos veículos (isso seria humilhante), mas podem se servir de pequenas quantidades de drogas lícitas ou ilícitas que os convidados lhes deixarem ao alcance das luvas.
Manobristas de shopping bem que gostariam de esnobar certos clientes. Nossa deslumbrada classe média, com seus carros financiados em milhares de prestações, entra num valet parking como se fosse senhora de escravos. Retira ostensivamente cada moeda que encontra e avisa pras crianças não deixarem nada de valor porque “o mocinho aí tem jeito honesto, mas os amigos dele… nunca se sabe”. Contrafeito, o “mocinho” sorri e leva o precioso símbolo de status para uma rua perto do shopping onde um flanelinha garante que ninguém vai roubá-lo nem riscá-lo. O quê? Você acreditava mesmo que todos os carros entregues aos manobristas ficavam dentro do estacionamento?
Alguns flanelinhas aprenderam a agregar valor ao serviço que nos impingem. Tentam dar tratamento personalizado aos clientes. Como, em geral, não sabem seus nomes, recorrem a vocativos que ficam entre o servilismo amistoso e a intimidade abusada: doutor/madame, alemão/loira, tio/tia, garotão/menina, playboy/gatinha. Costumam reservar pedaços de papelão para cobrir o para-brisa dos clientes VIP.
Meu marido e eu fomos clientes VIP de um flanelinha que nos chamava de “alemão” e “menina”. Gratuitamente oferecia boletins meteorológicos, resenhas esportivas, comentários sobre política e notícias policiais. Sua rua ficava perto de meu dentista, o que lhe dava oportunidade de nos desejar sorte nas consultas e prometer rezar por melhoras. Era tanto carinho e familiaridade que quase nos esquecíamos de que só aceitávamos seus préstimos porque, caso contrário, “alguém” poderia riscar nosso carro.
——————–
Carla Ceres é escritora.
Fortaleza, imita o Rio, ao chamar de “flanelinha” aos oportunistas que exploram quem tem carro para estacionar nas ruas da cidade: há lugares nobres e menos nobres, para a variação da cobrança e ai de quem se negar a pagar…Já há uma petição de moradores fortalezenses para a prefeitura criar oficialmente a profissão FLANELINHA. Aguarda-se! Bem oportuna a sua crônica.
Só faltava essa, Lúcia, oficializar os flanelinhas!!! É o fim dos tempos. 🙂 Beijos!
d,carla para sua informaçao o flanelinha tambem tem filhos para criar…….
realmente temos que pensar nisso, conheço um que tem quatro ex-mulher e seis filhos e já fazem mais de vinte anos de flanelinha, coitado… uma vitima desta cruel sociedade.
Aqui em Ribeirão Preto somos chamados de “chefia”… e ai de quem não oferecer imediatamente o que pedem… Prejuízo na certa. Houve uma tentativa de cadastrá-los tamanha era a baderna flaneleira na região de bancos, escolas, hospitais e cemitérios… Mas, pelo que sei nada deu certo, pois a maioria fugia de ser cadastrado! Estranho, hein? Será por quê? Isso mesmo. Bingo! Flanela lembra limpeza, mas no caso é bem o oposto: sujeira na certa!
Abraço.
Se eu trabalhasse no setor de flanelagem, Célia, também não deixaria ninguém me cadastrar. Qualquer coisa que acontecesse perto da minha calçada, seria motivo suficiente pra polícia ir lá em casa me prender. Roubaram um banco? Mataram o papa? Assaltaram um vereador? Tudo sobraria pra mim. Tô fora, chefia. 🙂 Beijos!
Eu desconhecia completamente esse termo “flanelinha”. Donde terá surgido tal nome? Será que eles usam uma flanela para dar lustro aos carros?
Seja como for… em Portugal abunda esse praga, mas são chamados “arrumadores”, porque, supostamente, ajudam a arrumar (estacionar) os carros.
Claro que toda a gente lhes dá gorjeta com receio de que “algum mal aconteça ao carro”.
Ouvi várias vezes o meu marido fazer esta observação, que exprime a ideia generalizada de que, se não se lhes “untarem as mãos” arriscamo-nos a encontrar o carro riscado, no regresso. E também há quem diga: é melhor fazerem isto do que andarem a roubar.
Esta maneira de pensar em bem representativa do estado da sociedade em que vivemos.
A miséria é tanta que o roubar já se encara como alternativa. Até quando???
Beijinhos
Você praticamente acertou, Mariazita. O termo “flanelinha” surgiu porque os nossos “arrumadores” costumavam jogar água com sabão no vidro dianteiro dos carros. Depois enxaguavam e secavam com a tal flanelinha. Faziam tudo isso de surpresa e muito rápido, enquanto o motorista estava parado esperando o sinal abrir. Diante do “serviço prestado”, como não dar gorjeta? Obrigada pela visita e por me contar como esses profissionais se chamam em Portugal. Beijos, querida!
É assim mesmo, Carla. Não adianta fugir. Eles são insistentes e nós somos “cautelosos”, concordando quase sempre com a oferta do serviço, mesmo sabendo que não vão vigiar muita coisa. É comum voltarmos do passeio e o flanelinha vir lá de longe, só pra receber.
Quanto aos nomes, em Goiânia são os mesmos.
Beijo!
Os flanelinhas daqui querem receber adiantado, Regina, pra não ter que nos esperar até tarde. Aí, eu me irrito e faço questão de só pagar na volta. Abuso tem limite, né? 🙂 Beijos!
Olá Carla, e que tudo esteja bem!
Nesta pátria, onde tudo é um faz de conta, o justo é injustiçado, o bandido é protegido, ou seja, alguns como sempre se aproveitam de tudo que não lhe pertence, não contribuem com nada, e levam tudo. É desanimador como tantos preferem viver a margem, pois ser polivalente rende mais, ou seja, se o dono do veículo não o recompensar, sempre há a possibilidade de ele ganhar algum, ah este malvado monstro da roubalheira que nunca se cansa de se alimentar-se, e já está tão crescido!
Sempre deveras interessantes as tuas postagens prezada Carla, mas com certeza alguma autoridade ao ler vai dizer que não sabia que isto vem acontecendo, pois, a justiça é cega e há muito já sabemos!
Agradeço por compartilhar, e também por tuas gentis visitas e comentários por lá.
Assim desejo que seja sempre tão intenso e feliz o teu viver, grande abraço e, até mais!
Eu que agradeço, Sotnas. Gosto muito dos seus blogs. Abraço!
Aqui é flanelinha tb….
Pagamos sempre, porque temos medo que estraguem nossos carros! É triste, mas é verdade.
O emprego descompromissado do favorzinho é altamente rentável alem de ser divertido, já foi em épocas difíceis a muito tempo atras a unica alternativa de renda para alguns, hoje se limita a manter de forma fácil drogados e larápios, não costumo dar esmolas e muito menos pagar flanelinhas, mas ja tive o carro riscado mais de uma vez, falta vontade politica para inibir tais ações, mas enquanto isso não acontece, vamos amargando os dissabores destas vitimas da sociedade! ou seria a sociedade a vitima?
idinaldo,e humilhante ficar ali olhando os carros dos outros em troca de moedas,nao desejo isso para ninguem,sou manobrista de uma churrascaria,por isso pense duas vezes e reflita se realmente aquela pessoa q vc nao dar gurjeta,tem um filho em casa esperando por aquelas moedas q vc deixou de dar,nao vai lhe fazer falta tenho certeza.
Antonio Francisco, é fato que é muito mais rentável do que humilhante, alem é claro de ser descomprometido com horários, dias, regras e patrão, realmente uma forma fácil de se ganhar dinheiro e em bom volume, que se pode comprovar diante do numero de pessoas que não tem interesse em procurar emprego haja visto os ganhos sem esforço proporcionado pelas facilidades deste exercício, quanto a ser humilhante é uma questão de ponto de vista, mas na pior da hipóteses esta “humilhação” deveria servir de força motriz para que se esforce em alcançar uma profissão de melhor qualidade, nada cai do céu e se fazer de vitima é a unica atitude que não vai mudar seu destino e quanto a ter filhos é uma questão de consciência, fazer um planejamento familiar e profissional evita passar fases difíceis na vida, fazer filho e esperar que outros contribuam para criar não é o caminho mais correto! mesmo que os outros contribuam!