Deixando de lado controvérsias sobre as datas de nascimento de ambos, fiquemos no tradicional: 25 de dezembro do ano zero da Era Comum (EC), para Jesus, e o mesmo dia e mês de 1642, para Isaac Newton. Assim, pode-se, de repente, dar com algum físico desejando um “Feliz Newtal” ou a imagem de alguma arvorezinha de maçãs, a árvore de Newtal, ou ambos. Confesso que não chego a montar uma arvorezinha dessas, mas distribuo e retribuo o cumprimento. E as “coincidências” entre as vidas de Jesus e Newton não se resumem a essas datas.
Newton era um temente a Deus, mas não aceitava a divindade de Jesus – não mesmo. Foi um adepto das ideias de Arius (256 – 336 EC), presbítero de Alexandria, que, de modo simplificado e resumido, defendia que Jesus não partilhava da mesma substância de Deus, foi por Ele criado, assim como todas as criaturas. E, criado, negava a eternidade de Jesus, que ele fosse o Deus encarnado – Arius e seguidores negavam o Trinitarismo, Newton também negaria. Para ele, Deus era único – o Pai, o Filho e o Espírito Santo uma blasfêmia inaceitável. Newton aprenderá grego para buscar onde o Trinitarismo está dito na Bíblia Hebraica – e questionará que sentido tem Jesus dirigir-se ao Pai se ambos são a mesma substância – e por aí foi.
Por mais paradoxal e perigoso que pareça, Newton viveu quase a vida toda no Trinity College, o Colégio da Trindade! Como ele escapou ao juramento de crença que o denunciaria? Deixo essa para leituras das biografias de Newton, há muitas. E não foi a única “transgressão” de Newton – ele era um alquimista, conhecia a Tábua de Esmeralda e talvez tenha vindo dela alguma “pitadinha” para propor a Lei da Gravitação Universal – que romperia de vez com o limite de uma física “apenas” para o domínio humano (o sublunar, o que está abaixo da Lua) e o estenderia ao domínio dos deuses (o supralunar, o que está acima da Lua), porque “o que está abaixo é como o que está acima e o que está acima é como o que está abaixo, para realizar o milagre de uma única coisa”, diz a Tábua. A separação entre “o que está abaixo” e o “que está acima”, que vinha desde Aristóteles, estava sepultada – a unificação da física “para o céu e a terra” aconteceu – uma única lei para descrever a atração recíproca da maçã ou da Lua pela Terra, para realizar o “milagre de uma única coisa”.
Mas se as “transgressões” de Newton – situo-as no tempo, localizo-as – não me perturbam, amém vos digo que as de Jesus me tiram da comodidade impiedosamente. Me sinto incapaz de trazer destaques – comentá-los, nem pensar – talvez o trecho onde Jesus “desenha” a Regra de Ouro, para minha ignorância protetiva, conte sobre esse incomodo: “’eu tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber; eu era estrangeiro e acolheste-me, estava nu e vestiste-me, estava doente e visitastes-me, estava na prisão e viestes até mim’. Então, lhe responderão os justos, dizendo: ‘Senhor, quando te vimos esfomeado e te alimentamos, ou quando sedento te demos de beber? Quando te vimos doente ou na prisão e fomos encontrar contigo?’. E o rei, respondendo, dir-lhes-á: ‘Amém vos digo: quando fizestes a um desses mais insignificantes dos meus irmãos, a mim o fizestes.” (Mt25: 35 – 40, tradução direta do grego por Frederico Lourenço).
No século XVIII, Johann Sebastian Bach expressou nas palavras do solista das quatro árias para baixo da Paixão Segundo São Mateus o que poderia ter sentido José de Arimateia ao sepultar Jesus: “Quero ser eu a sepultar Jesus/Faz-te puro meu coração”. Embora se trate da natalidade de Jesus e não de Sua Paixão, trago esse trecho do“O Livro Aberto”, de Frederico Lourenço, para falar do sentimento deste ateu: “vou escrever sobre Jesus/Faz-te puro meu coração”. E contar outra “coincidência” – que é de um contemporâneo de Bach, Alexander Pope, o poema no mausoléu de Newton na Abadia de Westminster: “A natureza e suas leis estavam escondidas na noite escura/Deus disse faça-se Newton e tudo se fez luz”.
Cada um a seu tempo e a seu modo – Jesus e Newton olharam para o céu. Para eles “olho” no meu tempo e a meu modo os saúdo: Feliz Natal, Feliz Newtal.
Sergio Oliveira Moraes é físico e docente aposentado da ESALQ/USP