No jornal “Folha de São Paulo,” o crítico João Pereira Coutinho desenvolveu uma crítica sobre o filme “Cisne Negro” (Black Swan) que, por seu caráter ácido e provocativo, como a maioria de suas críticas, acabou gerando certa polêmica. Coutinho parece ter assistido ao filme apenas uma vez e, com limitada percepção e entendimento do enredo, acabou implodindo o filme (ignorando o fato de que ele foi indicado ao Oscar de “Melhor Filme” e ganhador do prêmio de “Melhor Atriz” – graças à Natalie Portman) e também o seu diretor, Darren Aronofsky.
Para Coutinho, “Cisne Negro” transmite a ideia principal (que é a relação sexualidade – dança) de uma forma prejorativa e direta ao ponto. Comentando que o filme diz mais de uma “arte da masturbação” (título da crítica) do que de dança, Coutinho defende que Aronofsky estrapolou os limites ao mostrar que Nina (a personagem vivida por Natalie Portman), por ser virgem, não tinha recursos suficientes para o papel pretendido por ela – e faz piadas sobre brinquedos sexuais e drogas.
O filme, todavia, transmite muito mais do que Coutinho diz. No entanto, é fato também que ocorreu um exagero por parte de Aronofsky – na forma como ele aborda em seu filme a questão de que Nina necessitava transcender sua interpretação do cisne negro (sensual, perverso), já que ela era praticamente o cisne branco (doce, angelical), vivendo sob as asas da sua atormentada mãe. O exagero está nessa ponte que, na interpretação de Coutinho acerca de que Aronosky, consiste em chegar ao extremo do íntimo sexual (masturbação) e até ao uso de drogas, só para se atingir o nível “ideal” de interpretação/atuação pedido pelo diretor de Nina.
Isso incomoda. Incomoda porque parece óbvio não ser necessário se passar por determinada experiência para se projetar nos palcos/câmeras (mesmo que um artista repita exatamente os passos de seu personagem, fazendo o “laboratório,” a percepção mental, os desejos e impressões sobre o acontecimento é totalmente individual e única). Parece ser completamente válido (no mundo da arte) experimentar desejos parecidos com os de um personagem, porém se dando limites. Eventualmente, a “memória emotiva” se encaixa, mas não se deve generalizar. Por exemplo: como interpretar um suicídio? Se matando para sacar qual é a dor e o sentimento do ato?
É preciso uma mistura das sensações se combinando e acrescentando, preenchendo o objetivo final. E o bom ator exerce com tanta verdade seu papel que o espectador acredita fielmente e viaja no mundo criado pela arte. Portanto, a interpretação é total ficção e passa a tomar um caráter profissional (trabalho, não no sentido de tortura, como se define a palavra), assim como tantos outros – porém, muitas vezes pouco valorizado .
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A autora
Priscila Cammarosano Callegari é atriz e aluna do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep).
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Pois é quem se atreve a descrever o Cisne Negro ou tem que ter um conhecimento muito grande do que se trata ou pode cair numa situação bem distorcida da ideia. Aliás, Cisne Negro é um ótimo filme daqueles que quando termina é que vc pode começar a compreende-lo, mas não cheguei a ver a crítica do Coutinho, e como diz na matéria é provavel que tenha visto uma vez mesmo…
Qual não foi minha surpresa, ao conferir as novidades do Diário, deparar com o seu texto. Mais um. Já forma tantos, não Priscila?
É imensa minha alegria, quase uma corujice.
Sucesso é o que continuo desejando. É sempre um prazer tê-la por perto.
Um grande abraço.
Suzaaaaaaaaane!
Tava louca pra te mostrar o texto. Fico tão emocionada ao ler isso.
Obrigada por tudo, sempre. Você faz parte do que eu sou hoje…como aluna, pessoa…
Um grande abraço!
Qd assisti a esse filme, sai do cinema com “cara de interrogação”. Eu não sabia se tinha gostado ou não. Foi uma sensação muito estranha. Mas conhecendo um pouco mais sobre o balé dramático Lago dos Cisnes (1877), descobri que Cisne Negro foi fantástico! Lago dos Cisnes foi feito em uma época em que a sociedade (machista) impedia que as mulheres tivessem suas vontades expostas. Imaginem se essa vontade fosse sexual… A verdade é que Cisne Negro é uma grande metáfora que funciona em todas as épocas. Eu adorei!Parabéns pelo texto Priscila!
a crítica de coutinho aborda uma visao extremamente parcial e demonstra a total falta de conhecimento por parte dele a respeito do processo de criaçao de um personagem em um espetaculo. cada diretor e ator tem direito a acreditar em filosofias particulares e técnicas que melhor se adequam ao seu estilo de trabalho. o processo de criaçao apartir de experiencias já vividas é uma opçao, que alias, simplifica o trabalho pois a memoria emocional ativa canais que facilitam na hora da atuaçao.
” o bom ator exerce com tanta verdade seu papel que o espectador acredita fielmente e viaja no mundo criado pela arte.”, tamanha é a entrega da atriz que nós realmente passamos a acreditar naquele mundo e na sua atormentada personagem.
Negar todos os outros elementos do filme e resumi-lo apenas no lado sexual da obra mostra a falta de aprofundamento e entendimento do roteiro da pelicula em questao.
seu ensaio questionando os pontos abordados por coutinho ficou realmente incrivel prii! parabens ;D
Humm, realmente o filme Cisne Negro, é um filme que é necessário um conhecimento prévio da sociedade russa daquele tempo, porque ajudaria na compreensão. Eu não assisti ainda, mas já ouvi falar bem dele mas da minoria, pois a maioria dizia não entender o porquê da Nina estar fazendo tudo aquilo. Mas fico imaginando o processo de criação desta personagem.. realmente foi um caminho de muita busca, muitas barreiras. Ela realmente é uma atriz excepcional.
Você escreve muito bem 😀
keep walking, priscila walker.