Escrevo enquanto espero a chegada do livro: “Eu só disse meu nome”. Esperava-o no ano passado e não sei o porquê, não saiu. Soube de seu lançamento pelas matérias do autor Camilo Vannuchi, que saíram no Jornal da USP, em fevereiro e março de 2023. Eram tempos de relembraros 50 anos da morte do estudante Alexandre Vannucchi Leme. E, sim, este com letra “c” repetida e o autor, primo em segundo grau, sem a repetição. Não é detalhe, há coisas que não se pode descuidar.
Aguardei, esqueci e, quando menos esperava, na missa do Padre Júlio Lancellotti, último dia 14, após a fala dos “irmãos do Consultório de Rua”, como a eles se referem o Padre, é a vez do autor Camilo, que o presenteia e fala um pouco sobre o livro, a ser lançado dia 18/4. Encomendei e espero.
Alexandre foi torturado nos dias 16 e 17/3/1973 e, após uma das sessões, ao ser levado cambaleante para a cela, teria dito em voz alta, para que outros presos políticos o ouvissem: “Meu nome é Alexandre Vannucchi Leme. Sou estudante de Geologia. Me acusam de ser da ALN. Eu só disse o meu nome.”. Horas depois estava morto (https://jornal.usp.br/universidade/ha-50-anos-a-usp-perdia-alexandre-vannucchi-leme-estudante-torturado-ate-a-morte-pela-ditadura/). O recado, seu nome, não é detalhe, é parte do que não se pode esquecer.
Alexandre foi torturado e morto nas dependências do DOI-CODI, comandado por um certo coronel que “dera de chamar” o centro de tortura militar de “sucursal do inferno” (“sucursal: s.f. 1. filial”, segundo o “Houaiss”). Não é detalhe, é para que não haja dúvidas sobre o horror. Esse coronel, que comandava a “sucursal do inferno” é o herói daquele que na noite do dia 2/3, por estas bandas piracicabanas, homenageou-se. A homenagem, não é detalhe, é o que não se consegue esquecer.
Na missa rezada por D. Paulo Evaristo Arns, na Catedral Metropolitana, a pedido dos colegas e amigos de Alexandre, três mil pessoas lotaram a igreja. D. Paulo foi firme: “Só Deus é dono da vida; dele a origem e só ele pode decidir o seu fim”, não deu margem para a indignação seletiva – todas as vidas importam. Não há vidas supérfluas. E não, não é repetição. É para que o “Tô nem aí” nos horrorize também!
O corpo de Alexandre, dado como “atropelado e morto ao fugir da polícia”, não foi entregue à família. Coberto com cal e enterrado como indigente no cemitério de Perus, a família lutou por 10 anos até que, graças a um molde dental, foi possível sua identificação e sepultamento. Desde 1976 o DCE Livre da USP leva seu nome e outros espaços públicos igualmente o lembram.
Finalizo reproduzindo o escrito em sua lápide no “Cemitério da Saudade,” em Sorocaba (SP), sua cidade natal, substituindo os dizeres na vertical, por separações utilizando “/”. Não é detalhe, é respeito: “AQUI VIGIA/ALEXANDRE VANNUCCHI/ LEME/ (nascido) À 5. 10. 1950/ASSASSINADO PELO REGIME MILITAR/`A 17. 3. 1973 A ESPERA/ DO TEMPO DA JUSTIÇA”. De sua cova, Alexandre Vannucchi Leme vigia e espera o tempo da justiça. “Vigia e espera o tempo da justiça” – vigiemos e esperemos também. E não, não é mera repetição, detalhe, é memorização, é sobrevivência.
Sergio Oliveira Moraes é físico e professor aposentado ESALQ/USP
Sabemos ainda nos emocionar e devemos mostrar o que sentimos. Não é um detalhe, é para nao esquecer e ensinar os que não estavam lá.