Após mais de um ano preso, neste fim de semana (27/04) tivemos a alegria de presenciar pela primeira vez desde sua reclusão uma entrevista completa do ex-presidente Luís Ignácio Lula da Silva. A conversa foi conduzida por dois inegavelmente competentes jornalistas, Florestan Fernandes (El País) e Mônica Bergamo (Folha de São Paulo), e durou cerca de duas horas. Mas que conclusões podemos tirar desse evento que, diante das atuais circunstâncias, não deixa de ser histórico?
Antes de tudo, salta aos olhos como Lula – no alto de seus 73 anos – aparenta estar muito bem de saúde e com vibrante disposição em continuar lutando por seus direitos e sua liberdade. De fato, foi a primeira questão que frisou, se dizendo “obstinado” em provar sua inocência e a desmascarar seus inimigos. Afirmou também que, se puder, concorrerá à presidência novamente. Se disse em busca de amar mais o ser humano. Disse estar estudando em sua cela. “Minha cela não, minha sala”, logo corrigiu a si mesmo. Lula agiu inclusive com o humor de costume, fazendo brincadeiras e se utilizando do linguajar descontraído que lhe é peculiar. Chorou uma vez – em um momento compreensivelmente inevitável –, quando Florestan mencionou o falecimento do neto de Lula, de apenas sete anos de idade. Mas logo recompôs-se e disse que, embora preferisse ter morrido ele próprio ao invés da criança, acredita que é um homem escolhido a viver 120 anos. Esperamos que sim, pois Lula é realmente um homem que de fato pensa no pobre, no oprimido, no esquecido, na diversidade – revelando, como sempre, posição diametralmente oposta à do desgoverno que hoje está no poder.
A figura e o discurso de Lula de fato inspiram. Há uma aura – sempre houve, mas agora, em meio a um ar mandeliano, há ainda mais – humanista em sua figura. Há em Lula, mesmo após um ano de prisão, uma postura de estadista que se sabe como tal – e conhece seu peso na história da humanidade. Mas é preciso, no entanto, que se diga que, embora suas palavras tenham sido importantes e motivadoras, elas também poderiam ter ido um pouco mais além do que foram. Afinal, Lula, ao ser claramente encorajado por Mônica a fazer um ‘mea culpa’ em relação aos erros e à corrupção do PT, não o fez. Ou melhor, de novo não o fez.
Não se trata aqui de esperar que ele reconhecesse falsos erros ou invencionices criadas pela mídia ou ficcionadas pela oposição e pelos seus algozes – e por todos aqueles que concorreram para que sua prisão política tirasse sua liberdade e o impedisse de se candidatar (e ganhar) as eleições de 2018. Não se trata também, obviamente, de esperar que Lula aceitasse como verdades os engodos que puseram a população brasileira – em maioria – a apoiar ou tolerar o golpe de 2016. Jamais. Mas se tratar, sim, de esperarmos por algum tipo de reflexão acerca de erros reais, de situações reais, as quais infelizmente acontecem na vida política e partidária de maneira geral – mas que, esperavam todos, não poderiam ter acontecido nos governos do PT. Se trata sim, na verdade, de ansiarmos por uma reflexão mais ampla, por uma demonstração maior de sua capacidade de debater as raízes dos problemas nacionais que tocam a todos – e aos partidos de esquerda também, é claro.
E isso – que pode ser tão simples e seria tão positivo – infelizmente ainda não aconteceu. Desconte-se, é claro, que Lula precisava falar de si, de sua situação absurda e do empenho de seus perseguidores em tentarem por fim a sua vida pública – e, mesmo, a sua vida em si. É evidente que esse desconto tem de ser dado a Lula – que, como afirmamos – concedeu uma entrevista histórica. Reconhecemos, porém – e também – que ela só não foi cem por cento perfeita porque, a nosso ver (e também na visão de muitas figuras ponderadas e consideráveis da imprensa), Lula perdeu uma oportunidade lhe dada de mãos beijadas – possibilidade essa que, inclusive, poderia trazer novamente para perto dele e do PT os militantes e eleitores que deles se afastaram não por ódio, mas por uma real e compreensível desilusão.
As críticas ao atual governo também não foram precisas, temos de apontar. Lula acusou o presidente e seus comparsas, chamando-o de “malucos” e criticou Bolsonaro por seu “amor aos EUA” (e até condenou Moro por seus esdrúxulos erros de português). Mas nenhum ataque realmente forte e substancial ocorreu a ponto de abalar as estruturas do golpe e de provocar um terremoto nacional. Talvez, das próximas vezes, e já tendo externado suas causas primeiras e aplacada sua necessidade urgente de falar, Lula possa refletir de maneira mais pontual acerca da crise que ronda o país. Isso é importante. Isso é necessário. E revelaria que mesmo os grandes líderes, como ele, também sabem reconhecer suas fragilidades.
No nosso modo de entender, ou isso acontece ou uma sobra de desconfiança sobre Lula e sobre o Partido dos Trabalhadores ainda vai continuar pairando no ar.
Afinal, a sensação que ficou ao fim da entrevista é aquela de que não saímos muito do mesmo lugar em que já estávamos. Quer dizer, quem ama Lula o continuará amando – e o amou ainda mais após a entrevista. Quem o odeia, idem. E assim, infelizmente, o mais importante, a verdade dos fatos e as perspectivas para a Resistência, permanecem em inércia.
Para estimular a todos a enfrentar e resistir ao extremismo de direita que nos assola, Lula vai ter de oferecer ainda mais do que já ofereceu. Ou Lula é passado?
À parte isso, que bela entrevista!
Concordo com as ponderações feitas!