Pensar o ano de 2020 pode remeter a noção de um tempo perdido. Aliás, desde 2016 a forte sensação de que estamos deixando de avançar e literalmente regredindo se tornou muito comum e cotidiana. Assim, para além de um tempo perdido, a percepção predominante é de que o tempo andou para trás, em uma espécie de regressão coletiva, anulando toda uma longa trajetória humana e civilizacional. É difícil até ponderar sobre o tanto que já perdemos ou melhor o quanto nos perdemos.
Esse ano que passou foi emblemático. Do ponto de vista social, avistamos o crescimento da pobreza e da fome. A nova pandemia trouxe mazelas, afastou-nos do convívio social, escancarou a inabilidade de um governo que se afasta do ideal e do pressuposto de defender a vida, lançando milhões de brasileiros a uma situação de insegurança. A promessa de reformas estruturais e econômicas para o ano de 2021 fecha 2020 com mais inseguranças e medos, em um contexto de perda de direitos, redução do Estado e abandono.
Há uma compreensão comum que advoga que, se tivéssemos uma visão prévia do futuro, não cometeríamos as escolhas erradas do passado. Mas a realidade parece indicar que apesar do presente difícil e cheio de contradições, continuamos, teimosamente, insistindo com os erros do passado, mas com a esperança de que o futuro poderá ser diferente. É como se não conseguíssemos mais identificar a profunda e intrínseca relação que existe entre passado, presente e futuro. Não há escapatória, as escolhas de hoje são determinantes para o porvir, o amanhã.
Quais foram as escolhas equivocadas que nos levaram a um 2020 tão dramático, duro, difícil? Em qual momento erramos tão grosseiramente, tanto no plano ético quanto no aspecto político? Qual a origem do mal que se abateu sobre nós? Já passou do momento de nos debruçarmos com seriedade, profundidade e sinceridade sobre essas questões. Aqui não cabem mais hipocrisias, nem respostas fakes, fáceis e superficiais. O que se coloca diante de nós são as possibilidades de um futuro, que pode ainda estar aberto, pronto para nos redimir.
A virada de um ano, e as representações simbólicas que se articulam com o nascimento de um novo ciclo, com suas fortes e significativas expectativas, desvelam-se como oportunidades para se arquitetar novos começos, vislumbrando e construindo uma aurora promissora e tomada por possibilidades. O grande desafio consiste em começar de novo, na dinâmica de se projetar um outro futuro, um final diferente, muito melhor.
É preciso agora, mais do que nunca, na esteira do ano novo que se anuncia, sair em busca do tempo perdido. O passo mais importante consiste na tarefa de despertar. Acordar do pesado sono que fomos todos induzidos, mediante tantas fake news e toda sorte de manipulações. Os olhos que estiveram fechados durante esse longo inverno humano e civilizacional precisam se abrir e voltar a contemplar a realidade, demonstrando criticidade e capacidade de problematização.
O ano de 2020 chega a seu ocaso sob o signo de uma encruzilhada. As possibilidades se projetam, apesar de tantas incertezas. Somos convidados a perspectivar um tempo de luta para resistirmos, caso contrário o projeto de civilização fragmentar-se-á diante do processo de barbárie e de terror que nos ameaça enquanto humanidade. A questão fundamental consiste em discernir qual caminho decidiremos trilhar? A decisão deve apontar para a sincera intenção de sair do enclausuramento dessa sombria caverna interior e contemplar a realidade, que se projeta para além de todos os muros. Que 2021 seja o ano da virada, o tempo precioso do despertar.
Adelino Francisco de Oliveira é doutor em Filosofia pela Universidade Católica de Braga e professor no Instituto Federal de Piracicaba.
Que venha o tempo do despertar!
Que 2021 seja um ano mais generoso para todos nós!
Abraços.