Quem realmente pode dizer se uma obra literária é boa? O editor? Quem escreve? Quem lê? Ou até mesmo os herdeiros dos originais, quando o autor já morreu?
Com certeza, as vendas que se multiplicam pelo mundo, do último livro de Gabriel Garcia Marquez – “Em agosto no vemos” – recentemente publicado, quase dez anos após sua morte, não envolvem questionamento intelectuais como os acima.
Quem gosta dele, foi lá, comprou e leu. E certamente se deliciou com a delicadeza do texto – uma novela, rápida, para se ler de uma vez só. Os críticos – esses sim – se viram na obrigação de fomentar a polêmica. Obra maior, obra menor? Se estava inacabada, por que filhos e editor insistiram em publicá-la? Se ele nunca desenvolveu personagens femininas, como acreditar que nesse livro acertaria a psicologia da personagem central, como fez com maestria com a maioria de seus protagonistas machos?
O universo literário é uma indústria como qualquer outra, que não se enganem os que ainda olham livros com certa ingenuidade. Trabalha com lucros previstos, com um marketing elaborado previamente, com eventos publicitários que deem suporte a novos lançamentos, que renovem a capacidade de venda quando o autor morre ou se pretende relançamentos.
E se fomentam as opiniões dos críticos – é preciso polêmica para permanecer no topo das vendas, é preciso despertar curiosidade entre os que amaram e os que odiaram a obra. Mas, convenhamos, importam-se hoje com os críticos literários apenas um infinitesimal percentual dos já muito poucos que leem neste país. Uma bolha, que sobrevive apenas por força dos cursos de Letras – que vez em menor número também – e dos estímulos das editoras.
Parece cada vez maior a importância da sugestão, dos comentários dos amigos, mais parecidos com aqueles que querem ler, do que dos especialistas que vasculham e procuram conteúdos subliminares que a maioria nunca vai perceber, das influências que ao leitor comum parece ter nehuma importância.
De minha parte, acho que “Em agosto nos vemos” pontua o quanto se torna fácil para um bom autor transformar uma história qualquer em páginas que interessem do começo ao fim. Literatura não é só inspiração. É técnica capaz de dar um formato ao conteúdo, tornando-o especial, que nem todos conseguem. Com o tempo, quem escreve entende como isso acontece.
Bons autores raramente releem o que foi publicado. Porque sabem que identificarão seus equívocos, acharão os vazios, perceberão a revisão que deixou escapar isso e aquilo, terão vontade de reescrever de um jeito diferente. Garcia Marquez não deverá ter sido diferente. Talvez até oferecesse um final diferente, se a memória não o afastasse do escrever bem antes da morte.
Das muitas coisas que li sobre o novo livro – sim, me considero na bolha que ainda lê os críticos, mesmo que eles não me importem muito na escolha dos livros – destaco, entretanto, um comentário de Joaquim Ferreira do Santos (em “O Globo”, no último dia 15) que me encantou”: “Em agosto nos vemos é deliciosamente menor, algo assim como um guardanapo desenhado por Picasso, o jingle da Brahma Chopp cantado por João Gilberto ou uma Fernanda Montenegro de pastelão jogando a comida na cara do Paulo Autran na novela das sete”. Acho que esse comentário diz quase tudo.
Beatriz Vicentini é jornalista e coordenadora/editora do livro “Piracicaba, 1964 – o golpe militar no interior”. No Diário do Engenho, organizou e coeditou com o DE a Série Especial 60 anos do Golpe.