A morte de Eduardo Coutinho – ocorrida no último domingo, dia 2/fev. – chocou os fãs do cinema nacional (especialmente os apreciadores do gênero documentário). Assassinado a facadas – ao que tudo indica pelo próprio filho que, supostamente, sofre de transtornos mentais – Coutinho deixou a vida numa última cena que, em si, carrega paradoxalmente as mais cruéis cores de uma tragédia cinematográfica.
Ambientada num apartamento do Leblon, a cena final da vida de Eduardo Coutinho, cena essa nada surreal e nada fictícia, expõe – de maneira crua – os conflitos e os dramas de núcleos familiares assolados por problemas (quase sempre velados) das mais diferentes ordens – como o da convivência com pessoas com transtorno mentais. Se a arte imitada a vida, por vezes também a vida parece imitar a arte – e a tragédia final da vida de Coutinho quer surgir, assim, como um tema perfeito para um de seus próprios documentários (sempre ávidos por registrar a dureza da vida real).
Aliás, em entrevista coletiva à imprensa, realizada em julho de 2013, na FLIP, em Paraty, e da qual pude ter a felicidade de participar, o premiado documentarista deixou clara (como se fosse necessário) a sua posição de cineasta preocupado com os dramas sociais, com os conflitos reais que se desenvolvem nos submundos da vida cotidiana. A certo momento da coletiva, confessou: “eu não gosto do surrealismo no cinema e odeio a vanguarda francesa!” E completou ainda: “deles, fico apenas com Bruñel e o Cão Andaluz, o resto pode jogar fora.”
Acompanhado de seu inseparável cigarro, Coutinho concedeu naquela tarde em Paraty algo que, para a imprensa ali presente, torna-se hoje mais do que uma entrevista. Ao longo de mais de quarenta minutos, e para pouco mais de 15 ou 20 pessoas presentes, Coutinho memorialmente reviu ali a sua trajetória de cineasta e refletiu – não sem um ótimo bom humor – sobre as dificuldade de se fazer cinema no Brasil. “Aqui no Brasil, até o bilheteiro do cinema avisa: cuidado que o filme é brasileiro! …” – ironizou Coutinho naquela tarde.
Cabra marcado para morrer de maneira tão dramática – tomando-se aqui a mais pura etimologia da palavra drama – a humildade e a simplicidade da vida de Coutinho – refletida em suas declarações naquela entrevista em Paraty – acabaram por, acremente, antecipar a cena final de sua morte. Ao ser perguntado por um jornalista se ele se considerava o melhor cineasta do Brasil, Coutinho respondeu – na sua modéstia tão peculiarmente verdadeira: “eu sou o melhor cineasta de mim mesmo, do meu quarteirão, do meu bairro.” E completou: “não sei escutar ninguém a não ser atrás de uma câmera de cinema.”
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Alê Bragion é editor do Diário do Engenho.
(texto e foto: Alê Bragion)
Caro Alê.
Junto-me à sua sincera e verdadeira observação sobre Coutinho – mestre do cinema, especialmente do cinema documentário. Seu privilégio ao participar daquela entrevista me adensa ouvir você o que se fez inesquecível para-ty.
Grande abraço.
Grande e querido Zé Lima!
Obrigado pela seu generoso comentário. A vida traz alguns instantâneos que acabam rendendo sensações para todo o sempre. Participar da coletiva de imprensa de Eduardo Coutinho foi, certamente, um desses instantâneos inesquecíveis. Lembro-me, ainda, de ter visto Coutinho, naquele mesmo dia, comendo e bebendo (e fumando, muito!) na “pizzaria do Canal” – junto aos amigos que o acompanhavam. Tudo numa simplicidade que me deixou ainda mais perplexo. Era mesmo a realidade da vida de quem se preocupou sempre em retratar a realidade das vidas dos outros.
Grande abraço!