Ecos de Moçambique – Entre Maputo e Chimoio

Ecos de Moçambique – Entre Maputo e Chimoio

O Projeto AfroIF Articulando Saberes Neabi/IFSP Moçambique contempla uma perspectiva incrível e inusitada de ensino, pesquisa e extensão por meio da articulação entre os pesquisadores do Instituto Federal de São Paulo, vinculados ao Núcleo de Estudos Afro-brasileiro e Indígena (Neabi-IFSP), e as universidades moçambicanas Púnguè, localizada na cidade de Chimoio, e Pedagógica, na capital Maputo. Pensado e acalentado ao longo de alguns anos, o Projeto alcançou condições objetivas para sua viabilidade e implementação a partir do apoio e do aporte do Mandato Parlamentar da Deputada Federal Luiza Erundina de Souza, do PSOL.

Em uma primeira etapa, a coordenação geral do projeto esteve, por cerca de uma semana, em Moçambique, em uma dinâmica de inserção, introspecção, reconhecimento e interlocução com as universidades Pedagógica, em Maputo, e Púnguè, em Chimoio. Essa primeira presença dos pesquisadores do Neabi-IFSP no território moçambicano, na costa oriental da África austral, permitiu a consolidação de uma percepção, mesmo que ainda preliminar, da potência formativa do projeto. Para além das construções acadêmicas, a possibilidade de viver, mesmo que em um período curto e recortado de tempo, o cotidiano de Maputo e Chimoio, em uma interlocução aberta e fecunda com a população desses territórios, já foi capaz de produzir um profundo impacto cultural e afetivo, dando as dimensões de um projeto com potencialidades realmente incríveis. Em setembro de 2024, em um grupo ampliado, contando agora com 17 pessoas, os pesquisadores do Neabi-IFSP pisarão novamente em solo moçambicano, encontrando, em Maputo, os estudantes brasileiros, em iniciativa do Ministério da Igualdade Racial (MIR), no lindo e germinal programa designado de Caminhos Amefricanos. Despois, rumarão até a cidade de Chimoio, na Província de Manica, para consolidar as articulações de saberes com a comunidade da Universidade Púnguè.

Interessante que, mesmo em um contato ainda tão incipiente, já haja tanto a se dizer sobre Moçambique. A experiência no território de mãe África abre para uma outra percepção do tempo, suplantando a lógica dura, objetiva e concreta da delimitação cronológica. Em Maputo e depois em Chimoio, adentrando na cosmopercepção bantu, pudemos, de certa maneira, também experienciar o tempo como Zamani. Na língua swahili Zamani designa e remete ao tempo percebido como conexão com a dimensão da ancestralidade. Estar em Moçambique não deixa de ser também uma possibilidade aberta, em uma compreensão de tempo como Zamani, de reencontro com as nossas origens mais remotas e singulares, em um mergulho radical no que há de mais profundo, genuíno e sagrado: a referência e deferência à ancestralidade.

Dentre tantos aspectos interessantes da cultura moçambicana, no campo das relações humanas e da sociabilidade, a generosidade e a gentileza talvez sejam as duas características bem marcantes, a se destacarem no convívio cotidiano. Sempre com uma postura de receptividade e abertura, mesmo diante de um estranho, o moçambicano revela afabilidade e cordialidade. Fizemos essa experiência andando pelas ruas de Maputo e também em Chimoio, interpelando as pessoas, que sempre se mostravam abertas a ouvir e dialogar sobre os mais diversos temas. A conexão com a população inspirou um olhar, uma percepção profunda do território, de um jeito de ser e sentir o mundo, tão marcadamente diverso.

O projeto AfroIF Articulando Saberes contempla a viva esperança, tanto para o Instituto Federal de São Paulo quanto para as universidades parceiras de Moçambique, de abertura de um campo novo, tomado por múltiplas possibilidades de ensino, pesquisa e extensão, em um movimento que pode ampliar e aprofundar a construção de um diálogo cultural a partir do Sul (sulear), em perspectiva decolonial. A oportunidade de estar em território moçambicano, no coração da África, em uma dinâmica de intercâmbio Sul-Sul, já é, por si só, uma experiência formativa fenomenal, sem precedentes, que guarda e traz profundas implicações inclusive para uma melhor compreensão de nossas origens emesmo identidade cultural. Oxalá que o Projeto AfroIF seja um tempo propício, privilegiado – Zamani – para se celebrar o reencontro com a mãe África!


Adelino Francisco de Oliveira é professor no Instituto Federal de São Paulo, campus Piracicaba.

 

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