Uma lembrança chegou com o primeiro vento da primavera. Pensamento e brisa, ambos se misturavam no frescor da nova estação. Ela respirou fundo, sentindo aquele pulsar diferente no peito. Uma felicidade estranha e o gosto do perdão na boca.
Os ipês amarelos em toda avenida, uma música inglesa, pessoas conhecidas com seus rostos envelhecidos, o céu azul claro e as árvores balançando tão delicadamente: tudo estava mergulhado entre as flores que brotavam e também as que brotariam. “As estações. No ano, são quatro. Na vida, já foram tantas e todas tão diferentes umas das outras”, sussurrou: “e mais tantas outras ainda virão.”
Quantas delas trouxeram o frio do ressentimento, gelaram até a alma e, para abrigar-se, precisou se esconder em si mesma, no quarto escuro da solidão, entre os becos da revolta. Outras, o calor da cólera, a sequidão da dor. Mas agora, de forma quase que inconveniente e rápida podia sentir um frescor diferente, um delicado sabor de vida. Um arrepio no braço, uma vontade escondida dizendo “desabroche”.
Se dirigiu à janela e a abriu, inquieta que estava. Era uma sonhadora que sempre se esquecia de viver o que sonhou. Olhou a água correndo pela calçada e a admirou, jogou um beijo para uma nuvem em forma de gato e sorriu. Não aquele sorriso que guardava para as pessoas, para convencê-las de que estava bem. Mas um sorriso só seu, honesto em cada dente.
Aqueles rostos que tanto lhe fizeram mal tornam a aparecer, porém já não trazem lágrima alguma, culpa nenhuma, trazem leveza em saber que foi e que passou. Se sentia como quem acorda de um sono profundo, já não sabia se tinha vivido ou sonhado tudo aquilo. Sabia penas uma coisa e a mais importante, ela havia acordado. Acordado para si e em si, finalmente.
Pegou um velho caderno que há muito estava esquecido na gaveta, achou um lápis e devagar escreveu: talvez seja para isso a Primavera, para que todas as flores se abram. As flores das árvores e as nossas flores interiores também. Vou me abrir hoje!
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A autora:
Cíntia Ferreira está no último semestre de jornalismo. Apaixonada pelas palavras, a autora deixa sempre “desabrochar” em seu texto a graça e a beleza de um olhar apaixonado pela vida.
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Oi Alê! Adorei o texto! Realmene inspirador…deu até vontade de escrever!
Ainda mais, porque ao fundo estou ouvindo o 2º Cd do Adonai, justamente a música “Desiderata”. Coincidência?
É Primavera!
Beijos
Ci, muito lindo! Parabéns querida!
Primavera chegou e nela um pouco mais das belas palavras da jornalista Cintia Ferreira…
Que belo texto
Parabéns!
Já não era de se esperar mais um texto belíssimo de você, Cintia. Meus parabéns. Um encanto cada palavra sua! Beijos, querida.
Au revoir 🙂
Texto transbordante de poesia! A primavera agradece pelas flores literárias, Cíntia. Beijos!