“É primavera” – por Cíntia Ferreira

Uma lembrança chegou com o primeiro vento da primavera. Pensamento e brisa, ambos se misturavam no frescor da nova estação. Ela respirou fundo, sentindo aquele pulsar diferente no peito. Uma felicidade estranha e o gosto do perdão na boca.

Os ipês amarelos em toda avenida, uma música inglesa, pessoas conhecidas com seus rostos envelhecidos, o céu azul claro e as árvores balançando tão delicadamente: tudo estava mergulhado entre as flores que brotavam e também as que brotariam. “As estações. No ano, são quatro. Na vida, já foram tantas e todas tão diferentes umas das outras”, sussurrou: “e mais tantas outras ainda virão.”

Quantas delas trouxeram o frio do ressentimento, gelaram até a alma e, para abrigar-se, precisou se esconder em si mesma, no quarto escuro da solidão, entre os becos da revolta. Outras, o calor da cólera, a sequidão da dor. Mas agora, de forma quase que inconveniente e rápida podia sentir um frescor diferente, um delicado sabor de vida. Um arrepio no braço, uma vontade escondida dizendo “desabroche”.

Se dirigiu à janela e a abriu, inquieta que estava. Era uma sonhadora que sempre se esquecia de viver o que sonhou. Olhou a água correndo pela calçada e a admirou, jogou um beijo para uma nuvem em forma de gato e sorriu. Não aquele sorriso que guardava para as pessoas, para convencê-las de que estava bem. Mas um sorriso só seu, honesto em cada dente. 

Aqueles rostos que tanto lhe fizeram mal tornam a aparecer, porém já não trazem lágrima alguma, culpa nenhuma, trazem leveza em saber que foi e que passou. Se sentia como quem acorda de um sono profundo, já não sabia se tinha vivido ou sonhado tudo aquilo. Sabia penas uma coisa e a mais importante, ela havia acordado. Acordado para si e em si, finalmente.

Pegou um velho caderno que há muito estava esquecido na gaveta, achou um lápis e devagar escreveu: talvez seja para isso a Primavera, para que todas as flores se abram. As flores das árvores e as nossas flores interiores também. Vou me abrir hoje!

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A autora:

 

 

 

 

Cíntia Ferreira está no último semestre de jornalismo. Apaixonada pelas palavras,  a autora deixa sempre “desabrochar” em seu texto a graça e a beleza de um olhar apaixonado pela vida.

 

 

 

 

 

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5 thoughts on ““É primavera” – por Cíntia Ferreira

  1. Oi Alê! Adorei o texto! Realmene inspirador…deu até vontade de escrever!

    Ainda mais, porque ao fundo estou ouvindo o 2º Cd do Adonai, justamente a música “Desiderata”. Coincidência?

    É Primavera!

    Beijos

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