Ainda impactado com a perda do Papa Francisco, a ascensão de Leão XIV e mais recentemente a despedida de Pepe Mujica, perdi-me no mundo das lembranças indo ao encontro da figura amiga do Frei Alceu Bonia, no tempo em que fui missionário metodista no Mato Grosso. Logo que cheguei à Tangará da Serra, recebi a amistosa visita do frei que de pronto me convidou para um almoço com os frades que estariam recebendo seu bispo diocesano. Foi um encontro memorável. Na mesma mesa os cinco padres e o bispo, acolhendo amorosamente a mim e ao pastor principal da Assembléia de Deus da cidade. Conversamos, contamos piadas, rimos e solidificamos uma bela amizade. Sempre que possível, os visitava no gabinete paroquial, onde conversávamos sobre religião, doutrinas, costumes. Eram tempos muito bons de um exercício ecumênico que muito me fez crescer na fé.
Num desses encontros, frei Alceu me convidou para um café na casa paroquial. Além do café, pão, leite, queijo, chimia e frutas. Mas, enquanto nos deliciávamos naquele “banquete”, o padre se retirou para uma pequena despensa que havia no corpo da cozinha. De lá começou a perguntar: “Pastor Nilson, o senhor come arroz?” – “claro frei, respondi achando a pergunta muito engraçada” – e sem que tivesse tempo, disparou com outras perguntas tão estranhas quanto a primeira – “come, feijão, abóbora, banana, macarrão…” – e assim foi discorrendo sobre uma série de alimentos sem que eu entendesse bem o que estava acontecendo. Pois bem, o frei estava fazendo uma cesta imensa, com muitos produtos, em abundância, que foram colocados num desses sacos de pano alvejado para presentear minha família – mal consegui levar pro carro de tão pesada. Frei Alceu mal sabia – talvez desconfiasse – que a vida de missionário, casado, com dois filhos, não era nada fácil e o quanto aquele presente nos ajudaria. Aquela foi uma lição sobre cristianismo que nunca mais me esquecerei na vida. Com sua simplicidade, aquele padre me ensinou que o amor de Deus é infinitamente despretensioso, transcendente, generoso, profundo e fraterno. Aquele momento vivido na cozinha paroquial da Igreja Católica de Tangará da Serra despertou um novo sendo de cristianismo em minha vida.
Depois daquilo tivemos outras muitas, profundas e belas experiências ecumênicas. Recebi Frei Alceu em Nossa Igreja quando por ocasião da visita do Bispo João Alves, o recebemos em nossa casa em algumas oportunidades, estive fazendo a homilia na missa de lançamento da campanha da fraternidade, numa quarta-feira de cinzas. Aliás, nessa ocasião, depois da missa, fui recebido na casa paroquial acompanhado da esposa e dos filhos com um momento muito curioso e importante. Na sala de estar, os cinco freis e minha família, quando minha esposa, numa gentileza, começou a servir a todos, a começar deles, com uma taça de sorvete e um copo de refrigerante deixados em uma mesa de centro. Estranhamente eles não comeram e notamos um clima tenso no ar enquanto cada um segurava a taça. Então, Frei Eliseu nos explicou que como era quarta-feira de cinzas estavam desde o amanhecer em jejum total, mas que o ensinamento de São Francisco era que quando um irmão chegasse em sua casa e você estivesse jejuando, em nome da alegria de receber o irmão, você deveria encerrar o jejum e comer com ele, porque seria mais importante a presença dele em sua casa do que o jejum. E, dessa forma, pela alegria em nos ter com eles, encerraram o jejum naquele momento.
Foram ocasiões como essas que me fizeram abrir os olhos para um ambiente fraterno entre cristãos. Hoje, celebro a crença, uma religiosidade que, acima de tudo, me desafia a ser mais humano, sensível e atento à vida como presença suprema de Deus. Por isso, não há nada que me faça crer diferente de que o verdadeiro céu envolve o compromisso claro por direitos humanos, igualdade, justiça, paz e dignidade. Pra mim, o “paraíso” também pode estar aqui, no exercício da bondade, na humanidade das ações, na compaixão e na misericórdia com o mais fraco, na luta pelo equilíbrio social, onde dor, fome e indignidade não podem ser aceitos. A vida ensina, bastam olhos e ouvidos atentos, no exemplo de tantas pessoas, religiosas ou não, que mostram que a paz é possível, que basta que cada indivíduo doe um pouco de si, repartindo um pouco, tolerando um pouco, doando um pouco de tempo, tendo um pouco mais de empatia, respeito, amando um pouco mais. Assim, o mundo terá um pouco mais do Cristo que se fez um de nós, sentiu a nossa dor e se doou para nos salvar. É assim que se salva a humanidade, em um esforço mútuo, onde todos trabalham em benefício de todos, onde todos se esforçam para que todos tenham dignidade. Esse é verdadeiro sonho de Deus.
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Nilson da Silva Junior é doutor em Educação, mestre em Ciências da Religião, pastor metodista e professor.