– Coitada da dona Sônia! – comentei, sentadinho na mureta do velório, a um primo, sentado ao lado.
– É, mas ela vai descansar em paz.
-É, sempre foi boa, sempre costurando, boa esposa, cuidou do seu Lair quando ele caiu
doente, boa mãe, boa amiga. Quanta gente aqui numa tarde de sábado.
– É verdade.
– Ela costurava para tanta gente. Lembra que ela só respeitava a Sexta Feira Santa?
-Verdade.
– Parava na Quinta à noite e só retomava no sábado pela manhã. Quanta gente usou roupa que ela fez. Será que para onde ela foi também tem bastante gente?
– Como assim?!
– Onde os mortos chegam, quando eles chegam na Morada Eterna, como você falou pro
filho dela, será que tem gente esperando ela como tem aqui?
Ele olhou-me desconfiado.
– Não sei, eu …
– Ah! – disse interrompendo-o – Lembra que a tia Evilásia foi enterrada com um vestido
feito por ela? Então,chegando lá, será que a tia Evilásia vai falar: – Olha Sônia, ainda
estou com o conjuntinho Azul seu.
– Sei lá! – respondeu incomodado – Penso que no Paraíso esses detalhes materiais não
tem muita importância. Penso que…
– O tio Ariovaldo, lembra?
– O que tem ele, também foi enterrado com uma roupa da grife dona Sônia?
– Ei, olhe os modos.
-Que modos,você fica falando essas coisas …
– É outra coisa, lembra como ele era bravo. Dizíamos que o tio Ariovaldo andava com
duas cintas, uma nas calças e outra na mão, lembra?
– Lembro, sim – E abriu um sorrisinho de boas lembranças.
– Pois então, lembra como o Arizinho, o primo,filho dele, era traquina, desobediente, o
trabalho que dava para a Tia Líbia?
– É – Outro sorrisinho de boas lembranças.
– Quando ele morreu naquela batida no poste…
– Eu lembro. – Falou, interrompendo-me – Lembra que as pessoas falavam que
Os bombeiros precisaram pegar os pedaços com ajuda do aspirador de pó?
– Isso mesmo! – e rimos.
– Então, mas voltando ao tio Ariovaldo, será que ele esperou o Arizinho com a cinta na
Mão?
– Sei lá! Imagino que no Paraíso não tem lugar para ira, violência.
– É fato, pensando assim.
Após uma pausa na conversa, acenamos para outros conhecidos que chegavam.
– Se não tem ira, bom humor deve ter.
– Sim, riso, alegria, sim, tem tudo a ver com Paraíso.
– Você acha, por exemplo …
– Êeee ..
– Não, veja só, calma, por exemplo: quando morre um piloto de corrida durante a prova, os pilotos que já estão por Lá. Será que ficam zoando,chamando de braço curto, coisas assim, que eu falo, nada demais. Você acha que o Senna não zoou o Jules: ”pô meu, não viu o trator?”.
– Olha… Não sei mesmo, mas, dá licença que vi uma conhecida entrando – e foi levantando.
Fiquei sozinho, pensando: – Mesmo assim,coitada da dona Sônia!
Érico Bisson é advogado e comerciário.