Direito Adquirido e Ato Jurídico Perfeito – menos para o trabalhador!

Direito Adquirido e Ato Jurídico Perfeito – menos para o trabalhador!

Reza a tradição que teriam sido os nobres ingleses que teriam colocado o rei João Sem Terra contra a parede, ainda na Idade Média, impondo-lhe a condição de não retroagir os efeitos da Lei, desrespeitando os atos que houvessem sido praticados sob o império da lei antiga ou que pudessem violar pactos e cláusulas anteriormente firmados nas mesmas condições.

A partir de então, várias constituições do mundo civilizado acolheram o princípio – incluindo ainda a restrição a que a lei nova não violasse igualmente a coisa julgada, ou seja, casos já julgados em definitivo, consoante o entendimento dos tribunais, proferidos sob a lei antiga.

A mesma tecnologia jurídica teria sido incorporada pela Constituição Brasileira que igualmente alude a que a lei nova não pode violar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito ou a coisa julgada. Tratam-se inclusive de direitos fundamentais da pessoa.

Curioso, no entanto (fico pensando), como o contrato de trabalho, previsto na velha CLT, não se constitui nem em um ato jurídico perfeito nem irradia direitos que possam ser tidos como adquiridos pelos trabalhadores a ela submetidos.

É aquilo que os Tribunais brasileiros, inclusive o Tribunal Superior do Trabalho, estão agora por acabar de decidir, ao dizerem que a famigerada “reforma trabalhista” da era Michel Temer retroage para desconstituir cláusulas de antigos contratos de trabalho – e ainda que os trabalhadores igualmente não adquirem direitos, não incorporam vantagens com o passar dos tempos sob o império da lei antiga.

Lamentável! Trata-se de algo simples de ser entendido, mas que, como podem ver bons entendedores, vem sendo driblado com falácias risíveis pelos tribunais.

Todos sabem que a CLT é uma extensão do  contrato de trabalho. Ou, por outra, que a CLT é o próprio contrato de trabalho como imposto pelo Estado em defesa do hipossuficiente. Assim que assinada a Carteira Profissional do Trabalhador (ou mesmo nos contratos tácitos – Art. 442 CLT) todos os direitos previstos na CLT integram aquele contrato de trabalho, constituindo-se em suas cláusulas contratuais, e não podem ser alterados em desfavor do trabalhador (art. 468 CLT).  Esse é o direito adquirido.

Do mesmo modo, se eu firmo um contrato cível dizendo que o valor da prestação é de “X”, e que a data de vencimento da obrigação é “Y”, não pode a lei nova alterar o meu contrato, sob o argumento de que há um interesse estatal, ou diríamos, do “príncipe”, em que tais condições sejam agora alteradas pelo “interesse público”.

Aliás, é essa exatamente a questão. João Sem Terra possivelmente também argumentava razões de estado para reivindicar terras antes doadas, criar e cobrar impostos retroativamente e impor outras condições que violavam o pactuado anteriormente, que oneravam aos seus súditos, e o que gerava naturalmente extrema insegurança. Medo! Terror! E foi exatamente contra esse despautério que reagiram seus súditos.

Fico pensando em ir ao banco amanhã, com meu contrato de financiamento, para rediscutir algumas coisinhas que eu entendo que com a nova administração federal não estão conforme. Provavelmente, ouvirei um sonoro “não” – e os tribunais irão acolher o direito fundamental dos bancos em verem o ato jurídico perfeito e o direito adquirido serem respeitados. Ou seja, vou ter que pagar.

Então, a questão talvez seja essa. Não basta ser jurista. Aliás, nem é preciso, nem deve-se mais gastar tempo e fosfato estudando o direito. É preciso ser sociólogo, filósofo, revolucionário ou quejandos para entender que direito, quem tem, são só as classes dominantes.

Doloroso que a Justiça, dita do trabalho, ou seja, (supostamente) do trabalhador, a cada dia mais e mais se apresente como a Justiça dos empregadores, do sistema. Deveriam até alterar o nome da velha CLT e deixar bem claro isso, (sugestão: Consolidação das leis dos Empreendedores. Ou, mais elegantemente,  do Empreendedorismo) , e que ela existe para conter os abusos do operariado de uma forma em geral, contra os pobres e coitadinhos capitalistas que mais não fazem do que concorrer para o progresso dando emprego e salário para as pessoas. Emocionante não é mesmo?

Diria, portanto, que nossos tribunais e juízes, (que encarnam a figura do “príncipe”) é que precisam ser firmemente questionados, como fizeram com João Sem Terra, para que deixem de firulas e evasivas falaciosas, passando a respeitar as pessoas, notadamente os trabalhadores.


Alexandre A. Gualazzi é advogado.

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