“Da força da grana que ergue e destrói coisas belas.”
Caetano Veloso. Sampa.
Desde seus primeiros movimentos em busca da tomada do poder no país – concretizada no ano de 2016 com o golpe parlamentar que derrubou Dilma Rousseff, mas também com os votos conquistados nas eleições municipais Brasil afora –, a direita brasileira pôs-se a atuar de maneira incisiva numa força-tarefa que não mediu e não mede esforços em seu ataque generalizado e feroz à cultura e suas mais distintas manifestações. Da farsa política erigida por Temer e seus comparsas às campanhas eleitorais dos partidos que compõe a velha direitona brasileira alçada agora à glória, a ascensão do reacionarismo neoliberal de caráter populista que contaminou o país – especialmente o estado de São Paulo – vem tendo como uma de suas principais bandeiras a “higienização” de tudo o que consideram como produto ideológico de uma esquerda empenhada em catequizar o cidadão a fim de convertê-lo eternamente aos ideais “comunas” e “esquerdistas” – e, dentre esses “produtos” e “produtores”, estão, claramente, os movimentos e as organizações do universo artístico da cultura nacional.
Assim, ao assumir canhestramente o palácio do Planalto o governo não eleito de Temer decretou – como uma de suas primeiras ações políticas – a extinção absurda e imediata do Ministério da Cultura. Alegando que tal ação era decorrente da necessidade de enxugamento da máquina pública – falácia inconteste, uma vez que o Ministério da Cultura detinha o menor orçamento dentre os ministérios da união –, a medida desagradou a opinião pública e encontrou um coro leve junto a alguns órgãos da imprensa nacional e internacional. Pressionado e “temeroso” com a repercussão negativa de seu ato ridículo, o Planalto acabou voltando atrás. Finda a questão, todavia, não se findaram as intenções que a motivaram. Expostas as costelas de uma estrutura política raquítica, a sequência de ataques à cultura tentou valer-se da estratégia de degradar programas e leis de incentivos fiscais destinados ao fomento da produção cultural, como a Lei Rouanet – por exemplo. Pondo no mesmo balaio projetos de excelência e outros elaborados por criminosos que fraudam o sistema, intentou-se então ferir as bases de uma das raríssimas construções políticas em prol de ações culturais no país.
Na esteira desses ataques federais à cultura, a direita reacionária paulista, por sua vez, destacou-se também na destruição das “coisas belas” que agitam o universo das artes em São Paulo. Valendo-se também do agora eterno argumento de que é necessário cortar gastos – repetindo desse modo o mantra incerto estabelecido em Brasília –, o governo de São Paulo vem descaradamente fechando orquestras, desmontando grupos, destruindo associações e aniquilando a cultura e o saber no estado. Que o digam os alunos e os profissionais ligados a grupos já praticamente extintos ou em vias de extinção por aqui, como a tradicional Banda Sinfônica do Estado de São Paulo – por exemplo. Para se ter uma ideia, de acordo com o jornal O Estado de São Paulo os cortes na área de música feitos pelo governo Alckmin começaram já no final de 2014. De lá para cá, a saber, “a Osesp já perdeu cerca de R$ 20 milhões; o Projeto Guri teve redução de 37%; a Escola de Música do Estado de São Paulo, 15%. O Instituto Pensarte (que gere o Teatro São Pedro, a Banda Sinfônica e a Jazz Sinfônica) mais de 35% de seu orçamento” – decorrendo disso que essas instituições, a passos largos, caminhem para o seu fechamento (http://cultura.estadao.com.br/noticias/musica,banda-sinfonica-do-estado-sofre-corte-no-orcamento,10000017730 ). De passagem, e aparentado a esses casos, cabe citar ainda o fechamento da Orquestra Sinfônica de São José dos Campos (de competência municipal – http://www.orquestrasjc.org.br/post_noticias/nota-oficial-encerramento-das-atividades-da-ossjc/) e a sempre e eterna ameaça de extinção do renomado Conservatório de Tatuí (http://www.diariodetatui.com/2017/01/estado-nega-fim-de-conservatorio-em.html).
Na cidade de São Paulo, por sua vez, o ataque à cultura e o desrespeito à arte e aos artistas – em especial, os urbanos – também se tornou o anátema de um prefeito de gosto artístico sinceramente duvidoso. Em ações de caráter nitidamente populista, a prefeitura vem cobrindo de cinza gigantescos e belíssimos painéis grafitados pelas ruas da cidade. Numa ação midiática dantesca, voltada agradar o eleitorado reacionário que o elegeu, o governo paulistano pôs fim – logo no início de sua gestão – a um dos maiores e mais bonitos espaços de arte urbana a céu-aberto da América Latina: os muros da Avenida 23 de Maio. Revertendo noções basilares de estética, confundindo propositalmente grafites com pichações, o programa de acinzentamento de Sampa vem sendo (ironicamente?) chamado pela prefeitura de “Cidade Linda”. Como se não bastasse a agressão aos artistas e à arte urbana deletados pelo prefeito, agora a prefeitura – exposta ao ridículo pelas redes sociais – está propondo pagar cerca de 800 mil reais para que alguns artistas se deem ao trabalho de pintar novamente um ou outro muro aqui ou ali. Resumo da ópera: atentado à arte aliado a gasto desnecessário do dinheiro público.
De maneira geral, o ataque da direita reacionária à cultura – evidenciado na tentativa de apagamento da arte e precarização do universo artístico – por fim, parece ter uma simbologia maior do que apenas o jogo pela manutenção de um cargo e perpetuação de um determinado político ou grupo no poder . Quer dizer, a direita reacionária brasileira exibe sua ignorância ao, evidentemente, tentar dar um “cala-boca” naqueles que, por pensarem politicamente diferente dela, não a apoiam nas eleições e fora dela. Ora, todo mundo sabe que grande parte dos artistas brasileiros se irmana (à exceção, talvez, do Lobão e de alguns atores globais) a movimentos democráticos de centro, de esquerda ou de centro-esquerda. Por outro lado, por ser reacionária a direita populista brasileira não entende que não é necessário ser de esquerda para se conquistar o artista e se apoiar e fomentar a arte. Por ser ignorante, a direita nacional não sabe que países neoliberais – como os EUA, por exemplo – fomentam a todo custo a criação e manutenção de museus, de orquestras, de escolas de arte, de grupos de balé, de teatro, corais… (quase sempre nas listas dos melhores do mundo). Por ser burra, a direita brasileira não sabe que o investimento em cultura é tão ou mais vital que o investimento em saúde e segurança – pois a cultura e suas expressões artísticas são capazes de recriar a sociedade, de estimular a sensibilidade, de propor e provocar desacomodações e reflexões fundamentais para o bem-viver dos cidadãos em comunidade. Além de ser, é claro, sempre uma festa para os sentidos.
Parece que 2016 não acabou. Ou 2017 começou muito mal .
* Em tempo.
Em outra via, em Piracicaba, movimentos contra a gestão cultural da cidade também marcaram o início de 2017 por aqui. Conforme divulgado pela Tribuna Piracicabana, Gazeta de Piracicaba e pelo site G1, os artistas locais – ou ao menos boa parte deles (mais de mil pessoas formaram um grupo, em uma rede social, em apenas dois dias) – também se mostraram descontentes com as ações e resoluções da nova prefeitura para a pasta da área. Questionando, entre outras coisas, a permanência da atual secretária de cultura em seu cargo e a fusão das Secretarias do Turismo e Ação cultural, efetivada este ano, o grupo formou uma Frente – a Frente das Culturas de Piracicaba – empenhada em tornar públicas as insatisfações desses artistas e pleitear mudanças na área junto ao prefeito (http://g1.globo.com/sp/piracicaba-regiao/noticia/2017/01/em-posse-de-secretariado-frente-da-cultura-protesta-contra-camolese.html). Destaque no noticiário nacional, a Frente ganhou ainda o apoio do renomado ator Sérgio Mamberti (https://www.facebook.com/frentedasculturaspiracicaba/?fref=ts).
Vale ficar de olho.
Essa é a cabeça do empresário dirigindo uma cidade!