Todo grupo social (…) cria também, organicamente, uma ou mais camadas de intelectuais que conferem homogeneidade e consciência da própria função não apenas no campo da economia, como também no social e político.
Antônio Gramsci, Cadernos do Cárcere.
Em período de disputa eleitoral, pensar o perfil ideal de um candidato – seja para função na esfera do poder executivo ou do poder legislativo – alcança especial relevo e evidência. Torna-se comum as pessoas indagarem sobre os critérios para se avaliar e escolher um determinado candidato. Em tese, o ambiente democrático possibilita e favorece que qualquer cidadão se lance na vida pública, pleiteando um cargo político.
Na organização da República, os três poderes se revelam distintos e complementares. Todavia, muitas vezes, há confusão quanto à própria definição e competência inerente a cada cargo que se pleiteia. As distorções não acontecem apenas por conta de ausência de clareza dos eleitores. Há candidatos que também não demonstram lucidez para discernir as atribuições do cargo que aspira. Ora, a função do legislador é essencialmente distinta das competências do gestor executivo. É preciso avaliar o perfil de cada liderança política, pois aquele que demonstra aptidão para legislar, não necessariamente dispõe de competências para governar e vice-versa.
Talvez uma primeira ideia sugestiva a ser abordada seja exatamente a noção da política reduzida a um mero cargo. Muitos candidatos entendem a política como uma rentável atividade profissional e nada mais. Surgem assim os profissionais da política, a construírem, inexplicavelmente, patrimônios financeiros consideráveis – quando não verdadeiras fortunas – apenas exercendo cargos eletivos. O cidadão acaba entendo que política é assunto apenas para político e que pessoas de bem não devem se envolver com tal tema.
No berço da democracia ocidental, no cotexto da Grécia Clássica, o filósofo Platão ensina que o cidadão que vislumbra se dedicar à política, assumindo uma função pública, deve ter, preliminarmente, sua vida material sedimentada, estabelecida, pois no serviço público não terá mais a oportunidade de se preocupar com seu próprio patrimônio. Todo seu interesse e empenho, quando do exercício político, deverão estar totalmente voltados para o bem do Estado.
Para o ideal platônico, o aspirante a legislador deve ser portador de características específicas. Apenas um cidadão de elevado senso cívico – portanto desprendido de qualquer interesse estranho ao bem coletivo – e de sabedoria singular estaria apto a assumir a liderança política do Estado. A condução do bem público deve ser confiada apenas ao cidadão que se revelar como o mais preparado. Preparo que significa, grosso modo, ascese pessoal, na renúncia de todo e qualquer interesse que não seja o bem público, e qualificação, explicitada na capacidade de conduzir a sociedade para a justiça.
Em direção similar, o pensador Iluminista, Jean-Jacques Rousseau também concebe o legislador como um verdadeiro, autêntico sábio, com uma existência coerente, capaz de guiar a sociedade para os mais elevados interesses coletivos. Para Rousseau, a tarefa de legislar consiste na mais alta função reservada ao cidadão. Para o legislador, acima de qualquer interesse imediato, situa-se a vontade geral, expressão da soberania do povo, base fundamental da República.
Merece especial destaque também a compreensão do pensador italiano Antônio Gramsci acerca do líder político. Para Gramsci, a liderança política deve ser articulada pelo intelectual orgânico. Gramsci não vislumbra uma sabedoria de gabinete, pautada em conhecimentos meramente teóricos, livrescos. A noção de intelectual orgânico remete ao ideário de um líder político com uma história de militância, engajamento e inserção na realidade de luta do povo. É alguém que pensa e articula a sociedade a partir de seus movimentos mais prementes. Não a representação de uma figura opaca, ardilosamente forjada, a despontar repentinamente como tábua de salvação.
O desafio de se compor o perfil ideal de um candidato se impõe. É fundamental se avaliar com critério, pois a função pública – seja como líder executivo ou legislador – exige elevada competência e evidente práxis, consubstanciada em uma história pessoal de engajamento e compromisso com as questões mais pujantes da sociedade. Talvez a imagem mais sugestiva advenha justamente das modernas concepções de liderança. O candidato deve se compor, acima de tudo, como um líder servidor, capaz de suplantar vaidades e interesses pessoais, aglutinando forças políticas em prol de um amplo pacto social, a promover uma ousada maneira de se fazer política – resgatada como a arte de organizar a sociedade para a justiça.
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Professor universitário, Adelino Francisco de Oliveira é doutor em filosofia pela Universidade Católica de Braga – Portugal.
Infelizmente uma boa parte dos candidatos que pleiteam um cargo político não têm nem ideia do que estão fazendo. Eles não conseguem enxergar que, se forem eleitos, o objetivo principal deles seria batalhar e lutar para fazer coisas que seriam boas e beneficiariam a população em geral, toda a sociedade. O que acontece realmente não é bem isso, e acaba que quem sai beneficiado, muitas vezes, são os próprios políticos, eleitos por pessoas de capital cultural pouco desenvolvido, e que depois reclamam de uma coisa que eles mesmos fizeram com que se tornasse possível.