Diante do Fascismo.

Diante do Fascismo.

As manifestações do fascismo não ocorrem ao acaso. Elas emergem dos fracassos das respostas oferecidas pelas sociedades, capitalistas e tecnificadas, às necessidades mais básicas da população. Quando a espoliação avança demasiadamente, a pobreza se amplia, a tragédia da guerra assola a sociedade, enfim, quando o desespero bate à porta, as pessoas buscam culpados e explicações simples para seus problemas e reivindicam novos caminhos que devolvam o que foi retirado ou, ao menos, possibilitem algum alívio na labuta e no sofrimento cotidiano. Muitos querem uma narrativa nova que elucide as obscuridades, exponha os conspiradores, prenda os criminosos e encontre os caminhos do remédio econômico e social. Querem um comportamento moral que não estão dispostos a encarnar em si mesmos.

Estes momentos trágicos clamam por líderes carismáticos, infalíveis, que prometam salvar a nação e os pobres, mostrando-se arrogantes, destemidos e conhecedores das dificuldades e dos vilões que atrapalham a vida das pessoas. Contaminados por sentimentos de traição, frustração, ressentimento, desejo de vingança, ódio, as pessoas desesperadas tornam-se presas fáceis para aventureiros falastrões e violentos que intuem e ou friamente analisam os meandros pelos quais podem conduzir politicamente as emoções negativas das massas. Não são emancipadores, antes querem reforçar os grilhões que aprisionam os mais vulneráveis às suas condições precárias de vida.

A falta de empatia e mesmo de humanidade destes líderes fascistas é proverbial. São pragmáticos aproveitadores, chantagistas e escroques, quando não ladrões e assassinos. Eles conhecem, por experiência própria e a fundo, a pequenez e a mesquinhez humanas e sabem como explorá-las para seus objetivos. As pessoas mais humildes não querem a responsabilidade política para si, estão exaustas, desejam delegar a um suposto semideus a resolução de suas aflições e, tolamente, esperam a bondade de um pai generoso como pagamento por sua lealdade. Os líderes fascistas alimentam também os medos e os terrores dos grandes, dos ricos.E, mais do que tudo, os ricos temem um levante das massas contra suas causas e propriedades. São paranoicos, mesquinhos e dispostos a tudo para defender seus privilégios.Inquietos, se deixam levar pelos fascistas, quando não mais conseguem iludir o povo e disfarçar sua ganância.

Mas, a responsabilidade não é apenas da extrema direita fascista. Em geral, estes momentos só se tornam possíveis porque asesquerdas também fracassaram, não tendo sido capazes de captar e de educar as massas politicamente. O sentimento de revolta, de indignação das massas, pode ser habilmente conduzido pelos discursos que apontam bodes expiatórios suficientemente vulneráveis para não causar grande temor. Os estrangeiros pobres, os afrodescendentes, as mulheres, os ciganos, LGBTIs, os militantes de esquerda são alvos óbvios para as ameaças, perseguições, prisões e execuções.

No Brasil de hoje, os problemas derivam em primeiro lugar de um ambiente internacional gravemente poluído pelo neoliberalismo e pela presença de um império com pretensões de dominação mundial. Este neoliberalismo é a ideologia do totalitarismo que se quer implantar. O império é o braço militar que tenta impor sobre os povos do mundo a transformação de direitos em mercadorias. Saúde, educação, segurança, deixam de ser direitos garantidos pelo Estado para se transformar em lucrativos negócios privados. Atualmente, este projeto neoliberal é a causa fundamental da miséria e do desespero que alcança os pobres e vulneráveis. Mas, a revolta que este projeto provoca é manipulada e dirigida contra os que a ele se opõem.

Como no fascismo do passado, hojeo projeto neoliberal busca desestabilizar todas as relações e instituições. É o retrocesso permanente. Se a história não se repete de modo completo, ela faz eco com o passado, rima com as atrocidades esquecidas. O avanço do neoliberalismo e da consequente desestabilização ameaçam as instituições multilaterais, os acordos internacionais, levando-nos à beira do abismo da guerra. Este avanço também acelera o passo em direção à catástrofe ecológica. Muitos líderes fascistas acreditam que estas tragédias irão renovar a sociedade humana, caminhando destemidos e fanfarrões em direção às suas delirantes e destrutivas metas.

Para os que não concordam com esta visão estreita de mundo e com as violências que dela decorrem, a única resposta digna é a resistência, a denúncia do fascismo, a organização das potenciais vítimas, a politização do debate, enfim, a luta contra o fascismo. Neste momento, estamos diante do fascismo e quanto mais rápida e decididamente respondermos melhor.

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Antonio Ribeiro de Almeida Junior é Professor Titular do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da ESALQ – USP – e Vice-Coordenador do Núcleo de Estudos das Diversidades, Intolerâncias e Conflitos – também da USP.

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