Deus, o CEO

Deus, o CEO

E Deus se tornou essa pessoa jurídica,
o CEO de uma empresa chamada Reino, instalada
no milésimo andar de um luxuosíssimo edifício,
cercado de seguranças por todos os lados,
onde, desde a entrada, somos exigidos a apresentar documentos,
fotos, impressões digitais e reconhecimento facial
– entre outras modalidades policialescas e punitivas –
e deixarmos ali, com a atendente gentil e fria
nosso RG, a carteira, o óculos, os sapatos
e o que mais for exigido,

para então nos sentarmos, rígidos e encabulados
nas impecáveis poltronas do saguão, de couro legítimo
de javali, de antílope ou de leão marinho,
e aguardar por um período que pode levar toda a vida,
a olhar para as paredes de granito azul e cinza,
e ler revistas que não interessam a mínima,
“O empreendedor moderno”, “Como chegar mais rápido lá em cima”,

e baboseiras do gênero, e somos também instruídos
por um sisudo assessor, sobre como nos comportamos diante de Mr. God, ou qualquer um dos seus tenentes,
porque, como se sabe, Mr. God é ocupadíssimo,
sempre a vigiar quem abre as pernas, quem falta ao dízimo,
e outras coisas fundamentais ao bom funcionamento da máquina,
à perfeita harmonia de suas partes,
ao ritmo impecável de seus cilindros,

e ai de ti, fiel!, se, por um momento duvidares,
ou se pensares, por um instante sequer,
que pode haver outras passagens, quem sabe subindo as escadas
(apesar do esforço, são mil andares!),
quem sabe atirando-te pela janela, ou implorando uma oportunidade
aos brucutus de terno preto e gravata, que,
por trás dos óculos implacavelmente escuros,
nos miram, sentados, trementes,
como alunos reprovados previamente, aqui, nesse saguão,
onde não há mais do que choro e ranger de dentes.

 


Tito Kehl é arquiteto, escritor e presbítero pela Ordem Hospitalar Sanjoanita. Autor de diversos livros, publicou em 2023 – pela editora Terra Redonda – o livro “Poemas ao Deus Desconhecido”. 

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