Delfim – era, foi

Delfim – era, foi

Morreu Delfim Neto. Foi-se um dos símbolos de uma era, a era do “Brasil potência” – um sonho medonho, um pesadelo: crescer a qualquer custo, inclusive de vidas que se opusessem aos donos daquele sonhar. Tornar-se “potência média” embaixo do guarda-chuvas americano, isolado da “ilha” de Fidel. A morte, nosso destino comum e inevitável, exatamente por assim ser (inexorável e “democrática”), sempre suscita reflexões sobre a vida – o que ela é, o que nela vale ou não a pena.

Um nome na História do Brasil, Delfim certamente não é conhecido pela geração do meu filho, embora a vida que Bruno tem e leva contenha elementos derivados do pensar e agir desse longevo senhor que agora partiu (caso seja a morte uma viagem e não o fim da linha). O Brasil que hoje experimentamos, como cultura, sociedade, economia, não seria o mesmo sem que tivesse havido o “milagre econômico” concebido e levado a cabo pelos militares golpistas com fundamental ajuda teórica e operacional de Delfim. Mas quem, com menos de quarenta anos, sabe quem foi ele? Ao que parece, poucos se lembram até mesmo do que foi a ditadura militar que marcou a História brasileira na segunda metade do século XX.

A vida passa, fica a lembrança que, quando não dura pouco, ao permanecer por mais tempo se esmaece na medida em que vão se sucedendo as gerações. A tudo que existiu e a todos que viveram o universo deu fim e continuará dando. Tudo que se opõem a isso é vaidade, vaidade das vaidades, vanitasvanitatum et omniavanitas, como está escrito. Mas….

Que seria de nós sem a tal vanitas impulsionadora? Talvez um bando de macacos. E o que seríamos se macacos permanecêssemos? Talvez bichos felizes. Que felicidade seria, então?

Tendo vivido 96 anos, é certo que Delfim teve tempo para pensar a este respeito. A que conclusão teria chegado? Valeu a pena a tentativa de imitar – ainda que timidamente e na América do Sul – Alexandre, o Grande, o construtor de um império? Ou deveria ter ouvido o conselho de Sardanápalo, o antípoda do macedônio: “come, bebe e faz amor, pois outras coisas humanas não valem isto”. Tendo vivido 96 anos, Delfim talvez tenha experimentado as duas versões. Daí ter sido alguém que, como poucos, poderia ter nos deixado algum escrito a respeito – ele, que lia muito, como se sabe, e também escrevia, inclusive nos jornais e revistas, impressos, em papel, que morreram antes dele.

(Eu poderia ter pensado a mesma coisa escrevendo sobre Maria da Conceição Tavares, que, se houvesse o Céu dos cristãos, estaria lá, agora, à beira da porta de entrada (não sei se fora ou dentro), fumaceando e aos gritos, tentando impedir o ingresso do adversário ideológico no Paraíso.)

 


Valdemir Pires é economista e escritor.

 

One thought on “Delfim – era, foi

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *