De Universidade a Supermercado – tudo se negocia, tudo se vende

De Universidade a Supermercado – tudo se negocia, tudo se vende

Depois de uma certa idade, a vida também se faz e se refaz pelas lembranças que conseguimos acumular. A sensação de ter mais de bom do que de ruim na memória é essencial para, adultos, a gente não se sentir em dívida conosco mesmos e com os que conviveram conosco.

Como reagir – porém – sem tanta mágoa, sem tanta dor, quando os espaços da memória vão sendo destruídos de forma irreversível? E somando-se a eles a incompetência, valores equivocados, impunidade, traição ao que foi essencial durante décadas, dubiedade e decisões no mínimo discutíveis?

O que se pode comprar num supermercado? Quanto pode custar? Que variedade haverá em suas prateleiras? Será possível fazer pedidos por delivery? E como se define o padrão de cada unidade de uma rede – se vai atender especialmente aos de maior poder aquisitivo ou se tornar uma loja mais acessível?

Um supermercado que se possa estabelecer em área onde o que se oferecia era conhecimento, estudo, pesquisa, qualificação, será diferente? Será que o fato de, já ao final de sua existência, a antiga instituição oferecer cursos por educação a distância inspirará empresários a garantirem o serviço de delivery com alguma competência maior?

E seus funcionários – serão especialmente treinados e valorizados? Em caso de demissão, terão seus direitos respeitados ou os ventos da irresponsabilidade e desrespeito dos antigos proprietários do local poderão de alguma maneira inspirar quem ali venha a se instalar?

Daqui a 10, 20 anos, se também o supermercado não falir, será que seus clientes se lembrarão dele com algum carinho – ou terá sido apenas mais um empreendimento comercial, ora mais adequado às novas demandas de consumo, ora visando apenas o lucro porque é assim que o mercado pede?

Passadas mais de quatro décadas da inauguração do campus Taquaral da UNIMEP, surgido em meio aos canaviais de Piracicaba, gerações e gerações de jovens carregam consigo lembranças especiais dos tempos que o frequentaram. Porque ali houve, durante anos, a essencialidade do saber – ainda que com problemas, com reclamações de mensalidades altas demais, com falhas efetivas mas contornáveis – e o compromisso indiscutível com a educação e não com o mercado, não com o lucro, não com o aluno sendo transformado em cliente. Foi justamente no início deste século, quando, pela primeira vez, um gestor metodista – em uma solenidade oficial – se referiu aos estudantes como “clientes”, foi que a decadência começou, se fortaleceu e fez uma universidade democrática e respeitada mudar de rumo.

Ontem – terça-feira, 15 de abril de 2025 – foi um dia triste. Triste para todos os que viveram sonhos, se formaram, se empenharam em fazer do campus Taquaral um centro do saber, de cultura e de arte. Um espaço universitário transformado em espaço de supermercado? Desculpem os insensíveis – especialmente os gestores metodistas – mas o mínimo que se possa dizer é que encaminhar um leilão nessas condições de preferência ao lance antecipado de um supermercado é um escárnio, um tapa na cara de todos os que um dia deram um pouco de si na construção da UNIMEP. Com uma cidade cada vez mais indiferente a tudo o que nela ocorre, ficará ela satisfeita e orgulhosa com o novo empreendimento a se instalar ali?

Para melhor entender o texto: a Rede Metodista de Educação, em processo de recuperação judicial, teve autorizado leilão de parte do campus Taquaral, no dia de ontem. O interessado, com privilégios por conta da modalidade do leilão, é uma rede de supermercados de Piracicaba. E o valor da transação é de 20 milhões, que se espera seja obtido no processo, será integralmente destinado ao Banco Bradesco, um dos credores das escolas metodistas no sistema financeiro.

 


Beatriz Vicentini é jornalista.

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