De choros e lutas.

De choros e lutas.

Choro pelo Brasil há muito tempo. Não sei o que as pessoas ao meu redor acham disso – mas também não me ocupo muito em medir o que elas acham. Choro pela pátria amada – salve, salve – desde criança. No meu choro, misturo as razões, fundo os motivos, e choro também – às vezes – sem saber o porquê.

Me lembro que chorei pelo Brasil quando – pela TV – vi e ouvi ser anunciada a morte de Tancredo Neves. Eu tinha 9 anos de idade e me comovi com a tristeza que silenciava as pessoas naquela noite – em casa e nas ruas. Me lembro do medo em relação ao que aconteceria com o Brasil – ainda mal saído dos cueiros cheios da merda de uma ditadura odiosa que nos matou e calou por duas décadas. Criança, chorei também de medo. Nos dias seguintes, chorei ao ver o povo no velório de Tancredo.

Chorei ao ver as pessoas debaixo da imensa bandeira nacional estendida em frente ao congresso. Chorei ao ouvir as pessoas, em prantos, cantando o hino do país.  E até hoje me comovo quando escuto “Coração de Estudante” – cantada pela Fafá ou por outros intérpretes. Me comovo ao lembrar que essa canção representava uma grande tristeza, mas também nos dava esperanças para seguir adiante – livres dos grilhões da força dos coturnos, da desumanidade dos porões e calabouços, da crueldade da tortura e das mortes provocados por um terrorismo de estado.

A morte de Tancredo e o fim da ditadura não foram os pontos de origem, todavia, do meu choro pelo país. Antes disso, chorei pelo Brasil quando – em 1982 – assisti o Brasil perder para a Itália na Copa da Espanha. A sala de casa estava cheia – assim como o meu primeiro álbuns de figurinhas. O Brasil tinha a seleção que – até hoje, ao menos na minha simples visão futebolística – foi a melhor que vi jogar. Chorei pelo Toninho Cerezo – culpado injustamente por tentar atrasar indevidamente uma bola ao goleiro Sérgio Peres e ter dado a oportunidade ao italiano Paolo Rossi virar  a partida e colocar a Itália na frente. Chorei. Chorei por Zico, Sócrates, Junior. Chorei pelas pessoas na rua. Chorei por aquele Brasil que vivia de esperança. Da esperança no futebol e na política.

Na década de 90, chorei muitas vezes ao ver os brasileiros da fórmula 1 conquistarem seus campeonatos mundiais. Chorei com Piquet e chorei com Senna. Sentia, na minha juventude que se abria, o esforço daqueles pilotos para trazerem ao país uma alegria que a política não dava. Em meio às vitórias na Fórmula 1, chorei ao ver o país jogando no lixo o primeiro voto direto pós-ditadura – ao eleger um canastrão explícito para o Planalto. Depois, chorei enquanto cara pintada que fui – e me emocionei quando, também pela TV, vi Collor conferindo as horas no relógio de pulso antes de assinar seu impeachment. Dois anos depois, chorei com a morte de Senna – justamente no dia do trabalhador.

De lá para cá, poderia enumerar um sem-fim de eventos esportivos e de acontecimentos na política brasileira que me fizeram chorar. Chorei com Tetra. Chorei com o Penta. Chorei ao ver Lula presidente pela primeira vez. Chorei ao ver Lula presidente pela segunda. Chorei ao ver o Brasil mudando para melhor. Chorei de emoção ao ver o Brasil saindo do mapa da fome, ao ver o Brasil começando a dar seus primeiros passos em direção a uma independência nacional real – um pouco mais justa e um pouco mais humana.

Nesse tempo todo, chorei também em concertos que assisti ou toquei. Me emocionei até as lágrimas em shows dos quais participei ou curti na plateia ou em casa. Chorei e choro ainda lendo. Me emociono ao ler Vinícius, ao ler Drummond, ao ler Carolina de Jesus e tantos e tantos outros autores e autoras do Brasil. Chorei assistindo a novelas brasileiras. Chorei assistindo a retomada de nosso cinema nacional. Chorei até com o mundial do Corinthians, mesmo sem querer que eles ganhassem o mundial.  E nas olimpíadas? Quanto chorar a cada bandeira tremulando nos pódios, a cada esforço dos atletas para elevar o nome de nosso país – um país que pouco fez e faz pelo esporte.

Como brasileiro apaixonado pelo meu país, nunca fiz questão de separar em caixas ou em categorias as emoções que ele me proporciona. Se elas vêm (ou vinham) do futebol, da fórmula 1, das olimpíadas, das vitórias políticas que beneficiavam o povo ou da arte aqui produzida – sinceramente – para mim, tanto fez como ainda tanto faz.

Neste ano, no entanto, minhas emoções em relação à Copa do Mundo da Rússia e a participação da seleção brasileira pouco se deram. Ou, seria melhor dizer, me emocionei menos desta vez. No entanto, não espero nem quero ser régua a medir a emoção dos outros. Cada um que sinta o que quiser e que se emocione como quiser. Mas eu, de fato, me emocionei bem menos com os jogos do Brasil.

Talvez por já ter chorado até a exaustão pelo golpe imposto ao país em 2016. Talvez por já ter chorado demais pelo golpe dado na presidente Dilma – que também me vinha fazendo chorar com sua gestão complicada e confusa (é fato). De 2016 para cá, chorei por tudo o que os que tomaram o governo fizeram com o Brasil – e com os sucessivos ataques que nos impingiram. Chorei com a reforma trabalhista. Chorei com os conluios na calada da noite. Chorei com o corte de verbas na educação, na saúde. Chorei com o petróleo dado de mão beijada aos americanos, chorei com a perda da Embraer – também ofertada ao poderio estrangeiro.

Chorei com a corrupção na CBF, com as negociatas realizadas com os grandes impérios da comunicação. Chorei com a alucinação da classe média nas ruas – ensandecida – marchando para o seu próprio fim e vestindo justamente a camisa da seleção. Chorei com a prisão política de Lula.

Mas, como sempre, chorei por tudo (misturado), e procurei não enviar meus maus sentimentos à seleção de Tite, à nossa seleção brasileira. Assisti aos jogos e, sinceramente, apenas não me ufanei.  Não vi muito, ali, para me emocionar como antes. Pelo contrário. Como escrevi nesta coluna há alguns domingos, suspeitava eu – mesmo que ingenuamente – que o Brasil não passaria das oitavas.

Por isso, dessa vez, não chorei. Fiquei chateado, sim. Mas não me emocionei. E, agora, não estou misturando as coisas. Não acho que a Copa tem a capacidade de apagar os motivos que a política nacional me dá para chorar. Meu choro de ódio contra os que tomaram o poder continuou mesmo durante a Copa – e continuaria se o Brasil fosse campeão.  Minha raiva ao ver um candidato fascista ser aclamado por empresários e tantos outros não diminuiu durante os jogos. Pelo contrário.

Apenas não fui tocado pelo “canarinho pistola.” Certamente, o excesso de drama de Neymar em campo e a marra dele e de alguns outros contribuíram para minha pouca emoção. Mas não foram determinantes.  Acho que o futebol da seleção, a mim – repito – não causou a mínima comoção. O que, sei, foi uma pena.

Por outro lado, é fato que desejo sinceramente me emocionar de novo, tanto no futebol como na política. Acho, mesmo, que já passou da hora de nos descobrirmos como não mais o país do futebol – pois não somos os melhores do mundo há tempos.

Na política, a hora também é a mesma.

É hora de descobrirmos que erramos e que precisamos recomeçar – com choro e raiva – e o que mais for preciso.

Ir adiante, com choro e luta.

Lutarmos para sermos felizes no futebol, na cultura, na educação, na saúde.

Afinal, queremos ou não chorar de emoção pelo país novamente?

O Brasil quer e precisa ser feliz de novo.

Recomecemos.

 


Alexandre Bragion.

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