De que serve um mundo de mecânica avançada,
de ciência de última geração, atômica e quântica,
de todo um universo desvendado,
do cosmo que se equilibra na ponta do palito de fósforo, se,
diante do ser amado, imenso e inefável,
não se desmoronar até a última pedra
o castelo de suas ilusões compenetradas, se, diante da impenetrável selva do sexo,
não lhe caírem as armas, não lhe dobrarem os joelhos,
não te dirigires, em êxtase, ao altar dos deuses
que ali habitam, e guardam os segredos
do vinho e da ambrosia, desde a primeira geração
dos seres que pisaram nesse mundo, humanos inclusos,
deuses que, benevolentes, nos dão a beber os sumos
extraídos dos desvãos profundos do amor,
dos perigosos abismos do prazer, das imensidões infinitas do belo,
que nos chama às alturas do mais indizível sagrado,
da mais recuada fronteira humana, do inesperado Deus
que nos assalta, quando, diante dele, infinito e desgarrado,
toda ciência se desbarata, toda certeza se funde em nada,
toda teoria é aplastrada por um toque sobre a pele,
pelos lábios que se atraem, pelo gigante adormecido que se ergue, com sua espada,
a fazer em pedaços o conhecimento, o entendimento,
e nossa lucidez de esvai, e o que era a ancestral loucura se impõe,
incompreensível aos gregos, escandalosa para os judeus,
e somos alçados aos ares pelos pássaro Roca,
e lançados, além-mares, às ilhas ignotas,
onde sempre vivêramos, e viveríamos, em felicidade, uma vida torta,
antes que nos buscasse a razão, com seus navios cargueiros,
seus lucros e ganhos, seus ficheiros atualizados, e nos conduzisse
à falsa calmaria de suas produções, ao porto infeliz
de suas angústias tantas,
às praias secas de suas ilusões?
De que vale, a quem serve, de que adianta?
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Tito Kehl é arquiteto, escritor e presbítero pela Ordem Hospitalar Sanjoanita. Autor de diversos livros, publicou em 2023 – pela editora Terra Redonda – o livro “Poemas ao Deus Desconhecido”.