Foi em 2005 – 21 anos depois da rejeição da emenda pelas “Diretas, já” – que Dante de Oliveira retornou à Piracicaba. Mais especificamente retornou à UNIMEP, centro vital de todo o movimento na cidade em 1984. Veio – a convite de João Herrmann – acompanhado de Domingos Leonelli, para lançarem no Centro Cultural Martha Watts o livro “Diretas, Já – 15 meses que abalaram a ditadura”, produzido no ano anterior. Entre a rejeição da emenda e 2005, os militares haviam se afastado do poder e José Sarney tomou posse como primeiro presidente civil pós-ditadura – o primeiro presidente eleito pelo voto, em 1989, foi Fernando Collor (afastado via impeachment e substituído por Itamar Franco). Depois dele, os brasileiros elegeram Fernando Henrique Cardoso por dois mandatos. Em 2005, Lula era o presidente do Brasil.
Creio que o melhor jeito de recuperar essa memória do retorno de Dante a Piracicaba é reproduzir o registro feito pelo jornal ACONTECE, da UNIMEP, edição de maio de 2005, em texto que eu mesma escrevi à época:
“Desta vez, não havia faixas. Nem mesmos os gritos constantes de jovens. O grupo que se encontrava na mesma UNIMEP campus Centro era formado por gente um pouco mais velha, com alguns cabelos brancos, roupas mais discretas, emoções mais contidas.
Em muitos casos, eram, entretanto, os mesmos de 1984, que ocuparam as praças da cidade, lideraram passeatas, deram vida aos comícios. E, ao lado do mesmo Dante de Oliveira, estavam João Herrmann Neto e Domingos Leonelli, embora faltassem o ex-deputado Márcio Santilli e o hoje senador Arthur Virgílio (…).
‘Já é possível se discursar sem olhar para trás esperando pelo porrete, retomamos o estado de direito pelo voto. Mas o que vamos fazer com a democracia? Depois da Constituição e de 15 eleições seguidas, todas as administrações repetem os mesmos erros, reproduzem-se os mesmos vícios, a miséria não foi vencida, os avanços são extremamente tímidos’, admitiu João Herrmann em sua fala.
Leonelli, ao falar do passado, realçou o caráter revolucionário do movimento pelas diretas como um processo em que o povo estava realmente construindo uma ruptura que não implicava em violência física, passando a dar às elites o direito de se candidatarem. ‘Só pudemos compreender esta dimensão quando fomos pesquisar o ocorrido’.
Dante de Oliveira, entretanto, foi o mais otimista. Embora admitindo uma crise profunda, com os novos governos devendo um novo rumo social e econômico para o país, ele retomou um discurso de plena confiança nas lutas democráticas., indicando os espaços de pleno acesso à educação e à saúde como prioridades. E concluiu de forma simples e direta: ‘o que estamos fazendo pela democracia?’ “
Dante de Oliveira, a quem o país realmente deve a coragem de ter levantado o debate e a mobilização pela volta das eleições diretas, morreu em 2006. Antes disso, foi prefeito de Cuiabá por três mandatos e governador de Mato Grosso. No governo do presidente José Sarney, foi ministro do Desenvolvimento e Reforma Agrária por um ano.
Nota dos editores: Para mais informações sobre a primeira eleição para presidente, em 1989, número de eleitores, candidatos e a implantação de dois turnos, acesse:
Beatriz Vicentini é jornalista e foi assessora de imprensa da UNIMEP entre 1979 e 2006.
Foto: a imagem de capa traz Dante de Oliveira em primeiro plano, sendo ouvido com atenção por João Herrmann, Almir de Souza Maia, Gustavo Alvim e o deputado Domingos Leonelli, no Centro Cultural Martha Watts.
Ótima série, amigos. Com destaque para Beatriz/Bia. Parabéns pela iniciativa e sua realização.
Dante nos deixou “muito antes do combinado” — como diria R. Boldrin.
E deixou uma história de atuação que foi capaz de combinar uma vasta gama de variações políticas em torno de uma proposta democrática aglutinadora e louvável.
Suas passagens por Piracicaba e, especialmente, pela Unimep podem/devem ser sempre lembradas como selos de confirmação de uma qualidade municipal/universitária — hoje tão rala e suspeita (só pra dizer o mínimo).