Descaminho. Rebusco a respiração. Porque entre a rua e o ninho há avenidas e avenidas de ilusão. Que a gente acha que busca o Norte. Que a gente acha que traça a rota. E aí vem a verdade feito vida real e desfaz a realização. E aí vem a ordem palpável, a sentença inegável e muda a frota e troca a sorte. E o espaço vasto vira corte – e o campo verde vira concreto de armação e a vida vira morte.
Desando – só por resistência. Só pela insistência que em mim faz crer que viver é outra coisa, outra lida, outro texto, outro mundo, outro corpo, outra vida. Porque prefiro corações pobres a bolsos nobres. Quem me entende? Quem me lê? Quem o viver vê? Quem desiste da força motriz que ao desejo mais humano extingue? Quem recusa a carga de moedas que acumula e o querer que a uma máquina emula? Êee, mula! Empaquem! Que a poesia não tem cifrão e no caixa ela não faz saque. Que viver está para além – muito além – de se conseguir pagar com folga (ou não) o rombo mensal do seu cartão.
Por isso, desvio. Propositalmente desvio. Mudo o carro, a viagem, a pista. Não insista! Porque todos os caminhos terminam no um. Porque todas as veredas um dia se cruzam. Porque todos os olhos nefastos que fulminam a beleza em nome do dinheiro uma hora (é a sina) descerão, como qualquer outro comum vivente, ao jardim sem-fim – tão lírico, tão fatídico, tão doloroso e derradeiro.
Então, prefiro ler de Tagore um poema do que ir a qualquer reunião para se salvar o sistema. E sigo na meta a que me ensina o mestre e poeta: “Foz. Habite a um recanto mínimo desta terra/Onde teus olhos chegam/Até onde alcançam muito pouco./E ao pouco que ouves/Acrescenta apenas a tua própria voz.” Para que mais se tudo pode ser assim tão verdadeiro? Para que querer tanto dinheiro se coração não tem herdeiro?
Rio. Desfaço o fio. Que os meus vazios, com toda certeza, prefiro preencher com a delicadeza. Não. Não quero carros de luxo, mansões e empresas aos borbotões. Porque a realeza mora na lindeza de uma boa lembrança ou na crença boba e ingênua de uma criança. Porque prefiro o cheiro da terra. Porque prefiro o olhar dos bichos. Porque prefiro o amor que se sonha, que se quer, que se cria. Que o sentir, ao menos o meu – ao menos para mim – não cabe, por fim, em inventários (ou, como escreveu Drummond, não cabe em regulamentos vários).
Desmonetizo o viver. Poetizo? Que me julguem se for preciso. Não espero paraísos. Ter é ser.
Alexandre Bragion é editor do DE.
Crônica publicada nesta sexta também em A Tribuna Piracicabana.
