Crônica (poesia) e Comentário (exagerado) sobre o nascimento de Fernando Pessoa

Crônica (poesia) e Comentário (exagerado) sobre o nascimento de Fernando Pessoa

O galo cantou três vezes. Depois, fez-se a luz e o dia. Do oriente ao ocidente o sol sobre a Europa jazeu fitando (toldando nela românticos cabelos) e ao mundo foi anunciando que era, de junho, 13 – e que em Lisboa nascia (ou ia se iniciando) aquele que seria a encarnação da poesia que na poesia a mística ecoa: o poeta Fernando Pessoa.  

Depois, sobre o pó da porta bateram três vezes para se ver como era quem atrás dela nascia – e o espanto fez-se tanto que as mentes deram um nó: o neófito que se via, apesar de ser Pessoa, não era uma pessoa só. Era um Pessoa e tanto – eram tantos em pessoa – que, dizem, o céu desceu do céu para ver quem é que se via, e pôs-se por Lisboa a andar em romaria.

Três graças lhe deu o céu depois – força, beleza e sabedoria – num presente divinal feito desejo trino que se faz e se oferece entre velas. Então foram as graças, cada uma delas, se metamorfoseando em verso, em segredo e em poesia. E assim foi que também nasceu um maçom sem maçonaria, um místico que não viu Deus, um poeta que reencantaria a história e a mitogenia de seu país e dos seus.

O dia era 13, o mês era junho, o ano 1888 – e o galo, como já dito, todo bonito e inflado, já havia três vezes no telhado cantado. O duro era mesmo saber quantos ali nasciam (ou nascia) – e se aquele nascimento era da vida real ou arte-palavra de pura ourivesaria. O nome que deram ao menino foi o do santo do dia, santo de Lisboa, Antonio, Fernando, Fernando António Pessoa. (Aos eus demais, com o tempo, ele mesmo nomearia).

E foi assim que nasceu num mesmo dia – quase por magia – o um do qual nasceram três – Reis, Caeiro e Campos – e mais tarde outros tantos, tantos depois, que de tanto irem nascendo há quem garanta que chegam ao número de 72. Panteão de vozes. Colunas de templos do tempo. Mistério em nascimento.  Três oitos tem seu ano. 13 tem três também. E a vida que nascia já fechava um ciclo, que é 7 (1+8+8+8= 25, e 2+5=7), pois material igualmente é seu dia (1+3=4) em que toda a numerologia (poética ou não) a partir dele se refez.   

Três vezes bateram à porta, três vezes o galou cantou. E o uno fez-se tantos, fez-se cantos e se encantou. Nascido o poeta, o céu voltou para o céu. O dia voltou para o dia. A iniciação da poesia estava dada, ali também concluída em dia de santo cristão. Navegar nas letras (agora) era preciso, viver (como os mortais) não. E o céu voltou para o céu. O dia virou noite e a lua sua coroa. A vida ganhou vida – e a mística (revivida) ganhou corpo, ganhou alma, ganhou pessoa.

 

Comentário (de tamanho) exagerado

 

Fernando Pessoa nasceu em Lisboa no dia 13 de junho de 1888 – dia de Santo Antônio (santo católico também lisboeta – ao que pesem muitos chamá-lo de Santo Antônio de Pádua – local, na verdade, em que o santo morreu e estão seus restos mortais). Profundo conhecedor das mais diversas ordens esotéricas e ocultistas “refinadas”, a vida e a obra de Pessoa fundem tradições, (como a astrologia e a cabala, por exemplo) e criam uma mística em torno do poeta apontado sempre como um “iniciado.”

Se sua obra esconde segredos de esoterismos e entidades secretas capazes de serem percebidos apenas pelos olhos de pesquisadores atentos ou (evidentemente) de iniciados (atentos), não há (ao que tudo indique) nenhum documento (fonte primária segura) que comprove a iniciação do poeta no seio, por exemplo, da própria Maçonaria.

Como aponta o jornal português “Expresso”, de outubro de 2021 (https://expresso.pt/sociedade/2021-10-29-Fernando-Pessoa-nao-era-macon.-Mas-defendeu-a-maconaria-que-elege-este-sabado-um-novo-Grao-Mestre-eae2bb64) Fernando Pessoa não era maçom – apesar de tê-la defendido publicamente (em artigo publicado na primeira página da edição do “Diário de Lisboa”, de 4 de fevereiro de 1935) tentando preservá-la, como a outras ordens, das garras do Estado à época que tentava proibir em Portugal a existência de “associações secretas”.

O próprio poeta, nesse mesmo artigo, afirma: “Não sou Maçom, nem pertenço a qualquer outra Ordem semelhante ou diferente. Não sou, porém, anti-maçom, pois o que sei do assunto me leva a ter uma ideia absolutamente favorável da Ordem Maçónica”. Todavia, era justamente “o que ela sabia do assunto” que viria a colocar em dúvida a sua não-iniciação.

Em “Pessoa Inédito” (1993), publicação coordenada por Teresa Rita Lopes, encontramos, todavia, excerto de outro texto do poeta no qual ele, dessa vez, reconhece sua iniciação e pertencimento à Ordem dos Cavaleiros Templários: “Só posso pois dizer que pertenço à Ordem Templária de Portugal. Posso dizer, e digo, que sou templário português. Digo-o devidamente autorizado. E, dito, fica dito” – não sendo essa, propriamente, uma ordem maçônica.

Iniciado ou não, regular ou não dentro de grupos ocultistas e ordens, a vida e a obra de Pessoa são absolutamente místicas e repletas de “mensagens”, “segredos” e “sinais” que só apenas um iniciado com longeva experiência nessas tradições poderia ser capaz de conhecer. Não à toa, e isso é história saborosa contada e recontada por muitos, foi certa vez o poeta visitado em Lisboa (em 1930) pelo polêmico e controverso “mago” inglês Aleister Crowley – visita essa que vale a pesquisa (do leitora e da leitora deste comentário) e a leitura do artigo de Leila Perrone-Moisés intitulado “Fernando Pessoa encontra a besta 666”.

Por fim – entre místicas numerológicas, astrológicas, em meio a encontros com magos, a pertencimentos ou não há ordens variadas – a proposta deste comentário, já bastante longo para ser só um comentário – é a de mais uma vez saudarmos a obra pessoana e seguirmos instigando sua leitura.

Que no dia de hoje, em que celebramos em nossa cidade de Piracicaba (perdida em pleno interior paulista) o feriado “santo” de um santo português lisboeta, lembremo-nos também de outro “santo” de Lisboa – esse, “santo” da literatura, mago iniciado na tradição esotérica que é a poesia.

 


Alê Bragion é editor deste Diário.

4 thoughts on “Crônica (poesia) e Comentário (exagerado) sobre o nascimento de Fernando Pessoa

  1. Querido Alê.
    Sua chrônica aditivada de comentaryo saúda, com graça poética, esse nome sagrado da poesia portuguesa.
    Toda gente que sabe esse licor literário lisboeta brinda as palavras que você oferece.

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