Gênios não se forjam. Gênios o são. E basta darmos uma olhada atenta na história da humanidade para verificarmos que as premissas que abrem esta crônica esportiva domingueira despretensiosa (e rara por aqui) não são falaciosas.
Olhemos, então, um pouquinho para trás. Recuperemos no youtube da nossa memória as cenas que vimos à exaustão de Copas anteriores (ou mesmo de outros eventos esportivos) – veiculadas aos quatro ventos dos cinco continentes das televisões do universo .
Diante delas, indaguemos: é necessário defender a genialidade de Pelé (comecei pegando pesado, eu sei)? Alguém duvida da genialidade de Maradona? Ayrton Senna. Alguém que assistiu às corridas de Senna duvida da genialidade desse piloto imortal? Acho que não. Não é necessária a força da palavra nem o esforço dos argumentos para comprovarmos que os gênios o são.
Os gênios surgem com o tempo. Não há como apressá-los. Muito menos não devemos consagrá-los gênios antes da hora. Pelé desafiou as dores e a sorte em uma Copa aos 17 anos de idade – mas sagrou-se “Rei” com o tempo. Senna também precisou do tempo para correr e correr e correr, do kart à formula 1, para ousar ser reconhecido como um piloto-prodígio – e, depois, com ainda mais tempo, sagrou-se um deus das pistas, um gênio do esporte. O mesmo raciocínio pode encontrar como exemplos a vida e o desenvolvimento – no tempo – de tantos outros gênios reconhecidamente geniais, como o já citado Maradona e outros tantos.
O escritor português Lobo Antunes, quando em visita ao Brasil (na FLIP), lembrou com graça a expressão que o tenista sueco Björn Borg usava para se definir ao se comparar com os demais tenistas do mundo. Dizia ele, sem falsa modéstia: “eles jogam tênis. Eu jogo outra coisa.” E, vendo os vídeos de Borg, alguém duvida que ele exibia a genialidade dele, explicitamente, mostrando a todos essa “outra coisa” que ele jogava nas quadras?
Criar mitos a qualquer preço, forjar gênios a todos custo é tão ridículo quanto perigoso. Sua ocorrência, no entanto, está diretamente ligada à necessidade de se vender um produto novo ao mercado. Gênios, mesmo os forjados, trazem público, geram polêmica, vendem jornal, lotam estádios. São excelentes produtos midiáticos e ótimos garotos-propaganda das mais inusitadas peças publicitárias. Gênios – em especial os forjados por grandes empresas de comunicação – vendem de cuecas a vitaminas, de televisores (em épocas de Copa do mundo) a cremes de barbear ou talco para os pés.
Nas quadras, nos campos, nas pistas, porém, os gênios forjados refugam. Pressionados a exibir sua genialidade, exasperam-se, agridem, descontrolam-se e choram de medo ou ódio de todos e de si mesmos. Os gênios de verdade, os gênios-natos, quase sempre não estão nem aí para o que se espera deles. São o que são – e pronto. Os gênios forjados sentem a pressão que recai sobre eles e exige que mostrem a todos a genialidade que não têm (mas que a mídia e o mercado disseram que eles tinham).
Há diferenças brutais entre talento e genialidade. E, talvez aí, novamente, caiba a definição que a si mesmo deu Björn Borg. Os talentosos fazem o que sabem fazer bem. Os gênios fazem outra coisa.
Numa Copa do Mundo como estamos vendo acontecer na Rússia, na qual grandes seleções andam sendo derrotadas por outras até então consideradas ingênuas ou mesmo infantis, a genialidade de alguns jogadores deve fazer a diferença. O problema é encontrar por onde anda essa genialidade – que, como vimos, se diferencia em muito do simples talento.
No caso do selecionado brasileiro – repleto de talentosos jogadores forjados a gênios pela mídia e pelo mercado – acreditar que alguns de nossos mitos mercadológicos são capazes de tirar o time do sufoco está se mostrando, como não poderia deixar de ser, ridículo.
Em alguns casos em específico, a genialidade mentirosa e mal caráter de alguns está destruindo – dentro de campo – até mesmo o talento que, eventualmente, esse ou aquele jogador (ou vendedor de produtos?) poderia eventualmente mostrar. Em outras palavras, nossos mitos e gênios forjados estão se queimando internacionalmente (uma vez que os olhos do mundo estão descortinando neles o embuste que eles vendem).
O Brasil pode até ganhar a Copa – o que duvido muito (acho que, no máximo, sairemos nas oitavas) – e os geniozinhos da mídia podem até fazer uma ou outra jogada talentosa e importante (e aí não vale apenas dar “lambreta” só se a seleção, no final de um jogo, estiver ganhando). Mas um gênio, de fato, e in natura, até agora ficou evidente que ainda não temos dentro de campo.
Infelizmente.
Oxalá, quem sabe a nossa redenção possa vir dos pés daqueles que, talentosos porém menos midiáticos, tenham calma, sabedoria e disposição para simplesmente jogarem bem. E com consciência. Sem mentiras ou ilusões de genialidade.
Aí, sim, talvez a Copa ainda valha a pena.
Quem sabe.
Ainda é tempo.
Alexandre Bragion é editor do Diário do Engenho