Coisa de mãe – por Fernanda Rosolem

O vagido ecoou por toda a sala cirúrgica. O choro era tão estridente que surpreendeu os médicos e enfermeiras, arrancando-lhes risos. Quem passava pelo corredor também pôde ouvir o sinal de que vida nova chegara até nós.

Emanuel não era grande nem pequeno. Não era gordo nem magro. Veio ao mundo como tinha de ser: vivo! Esbanjava saúde. Logo que fora para o berçário, os olhares voltaram-se para o menino que parecia ter tudo, mas que não estava nem um pouco preocupado com a materialidade que o aguardava.

– Deixem-me dormir! Desliguem essa claridade que me ofusca a visão.

Ele não disse nada, é claro. Mas se tivesse algo a dizer, com certeza seriam os pedidos acima. Depois de limpos e tudo conferido, mãe e filho deitaram-se juntos na cama hospitalar. Não poderia haver outro lugar tão bom quanto o útero materno: o colo. Poderia ficar horas ali, sem se queixar de nada. Nada lhe faltaria se ainda lhe restasse aquele sagrado lugar.

Carências à parte, basta vermos uma criança sendo embalada no seio materno para sentirmos a nostalgia nos abraçar e pedir uma pausa: quero o colo da minha mãe!

O pai, os avós e demais parentes sabiam que nenhum presente melhor do que este poderia ser dado ao recém-nascido; mesmo assim, o quarto parecia um amontoado de flores, bexigas coloridas e ursinhos de pelúcia. Com certeza, o ambiente que o aguardava em seu novo lar não estaria diferente.

Trocas de fralda, noites mal dormidas, papinhas, cólicas, afagos, mimos, puxões de orelha, balanço, brinquedos de encaixe, bolas, vídeo-game… Faltaram-lhe as pipas, mas logo se encarregaram de lhe dar um helicóptero comandado por controle remoto.

Jorge, pai de Emanuel, sempre se sentiu frustrado por não poder dar um presente tão bom quanto o que sua esposa podia oferecer ao filho: o colo de mãe. Para suprir essa necessidade, passou a chamar o primogênito de anjo. É certo que seus cachinhos amarelados lembravam a figura angelical, mas isso não o tornava um. E seu pai sabia muito bem disso.

– Esse presente é para você, meu anjo! – dizia Jorge.

Talvez a falha maior tenha sido não terem lhe explicado o que seria um anjo. De elogio, o adjetivo passou a ser visto como um papel a desempenhar, uma função a realizar: ser anjo.

Parentes e amigos dizem que o jovem Emanuel ainda salta de lugares altos na esperança de lhe nascerem asas e que mantêm a postura ereta da coluna e do pescoço preocupado em não derrubar sua auréola. Porém, enquanto nada materialmente se concretiza, ele se satisfaz ao ser embalado pelo anjo que lhe é palpável: sua mãe!

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Fernanda Rosolem é jornalista, pedagoga e música.

6 thoughts on “Coisa de mãe – por Fernanda Rosolem

  1. Linda homenagem, Fernanda! Como mãe senti meu ego materno massageado.
    Belo texto, como sempre.
    E que saibamos educar nossos “anjos”.
    Um abraço fraterno.

  2. Obrigada, Suzane! Obrigada, Natália!
    Sem dúvida, ser mãe é dádiva!
    E isso precisa ser mais que homenageado!
    Agradeço o carinho de vcs!
    Beijão

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