por Yone Moreno
Inúmeros são os desprazeres de acompanhar as notícias vinculadas ao governo desgovernado do Brasil desde janeiro deste ano. É claro que se tratando de desprazeres associados a política brasileira, seria equivocado da minha parte dizer que esses passaram a existir somente em 2019, mas, o que não podemos perder de vista é que eles se intensificaram de forma preocupante nos últimos 7 meses.
Enquanto historiadora, uma declaração do presidente Jair Bolsonaro nesta semana com relação a Agência Nacional do Cinema – Ancine, me chamou atenção. Bolsonaro afirmou que extinguiria a agência se esta não passasse a ser filtrada no âmbito de suas produções, nas palavras do presidente, filtros “Culturais, pô”, afirmando logo em seguida que o dinheiro público não pode ser utilizado para produzir pornografia, e que deveria enaltecer os heróis da nação, sendo eles, novamente nas palavras do presidente, tantos.
De saída, duas coisas me preocupam demais nestas declarações:
A primeira é sobre os filtros. Claramente trata-se de censura. O Brasil tem pouco mais de 30 anos de experiência sob um regime democrático, tendo no nosso histórico pós instauração da república dois regimes ditatoriais – o Estado Novo (1937-1945) e o Regime Militar (1964-1985) – que inseriram no país intensos casos de censura, com fins claros e objetivos de calar os opositores do regime, controlar a impressa e dessa forma impedir que posições contrárias fossem divulgadas. Nos cenários ditatoriais, a impressa não só é impedida de se expressar livremente, como também é obrigada a responder aos interesses do regime em questão, por exemplo, manifestações contrárias não podem ser divulgadas, pois, oficialmente, elas não existem. Oficialmente, o país vivia sob controle. Nos bastidores? A história era outra e sabemos bem, ainda que com todos os esforços do revisionismo estúpido propagado pelo próprio presidente Bolsonaro.
A segunda, é sobre o enaltecimento dos heróis da nação. A figura do herói é resultado de um processo de construção, e os valores da nação precisam estar personificados nestes sujeitos que são elencados historicamente por seus grandes feitos. Esses heróis são forjados respondendo às representações sociais dominantes de um determinado tempo, e ganham assim, espaço na memória nacional.
Neste sentido, me pergunto – como alguém que acompanha o caminhar da política brasileira e observa os flertes perigosos do presidente com o regime ditatorial militar e suas declarações fascistas – quais os heróis nacionais que a Ancine deveria buscar nas reminiscências brasileiras de acordo com Jair Bolsonaro? Em que tipo de produção a Agência Nacional do Cinema deveria, a partir de agora, se debruçar? É nos heróis do presidente, quais sejam, Carlos Alberto Brilhante Ustra ou Artur da Costa e Silva? Quais os valores nacionais que essas produções cinematográficas devem buscar transmitir? Ou melhor, trata-se de produções que vão buscar a transmissão de “valores”?
Sendo o cinema um dos braços infinitos dessa Durga que é a arte, não se trata de transmitir valores, e sim de buscar a reflexão, o pensamento crítico, na medida em que provoca nos indivíduos sensações que variem do desconforto à felicidade, do incômodo ao consentimento.
Novamente a faceta contraditória – mas, não menos trivial – do presidente, vem à baila. Novamente nos vemos na obrigação de ressaltar o óbvio em um país que luta todos os dias para assegurar sua democracia que se pretendia – e aqui faço uso das palavras do presidente em seu discurso de posse – ser protegida e revigorada, “[…] para que ela deixe de ser apenas uma promessa formal e distante e passe a ser um componente substancial e tangível da vida politica brasileira, com o respeito ao Estado Democrático.”
Yone Moreno é historiadora graduada pela UNIMEP.
Yone, todos deveriam estar assustados com essa declaração do Bolsonaro, afinal, foi uma declaração inconteste de que estamos sob censura…
Artigo muito bom, no entanto ficamos só lendo e assistindo o que esse governo fala e faz. Não existe ação. Gostaria que a direita fizesse um filme elogiando esses dois torturadores militares pra ver se a esquerda reagiria.