Ele vivia em paz com seu bando nas savanas de uma reserva do Zimbábue. Belo, altivo, majestoso, fazendo jus à designação de Rei das Selvas. Tinha treze anos e era monitorado por estudiosos que trabalham pela preservação da espécie.
Há algumas semanas, Cecil teve seu nome e sua história conhecidos através dos meios de comunicação, e principalmente nas redes sociais do mundo todo, pelo feito de um dentista americano que pagou centenas de dólares para caçá-lo em seu santuário. Agindo sordidamente, atraiu o felino para fora da reserva, feriu-o com uma flecha, deixando o pobre animal agonizar por mais de quarenta horas quando, então, fraco pela perda de sangue, foi abatido covardemente a tiros. O caçador e seus comparsas arrancaram-lhe a cabeça ali mesmo, pois costumam usá-las como troféus.
O mundo deplorou esse ato, e por mais que o dentista se justificasse dizendo que não sabia que o animal era monitorado e fazia parte de estudos, ninguém acreditou, pois, se não soubesse que era protegido, não o teria atraído antes para fora da reserva.
Assisti a uma entrevista na qual um caçador profissional afirmava que sentia um prazer indescritível quando abatia um animal. E fico imaginando que raio de prazer é esse de matar, tirar vidas, de se deleitar ao retirar a cabeça do bicho recém˗abatido e levá-la ainda ensanguentada para casa. Para mim, isso é um sério desvio comportamental que deveria ser tratado como doença e não incentivado. Mas acontece que onde entra muita grana, a ética e o bom senso vão para o espaço.
Na teoria, existem leis que delimitam onde a caça “esportiva” pode acontecer. Mas, na prática, os muitos dólares pagos aos guias compram o direito de matar (mesmo dentro das reservas). Um turista caçador paga em média 30 mil dólares para abater grandes animais – cerca de 100 mil reais.
A justiça, nesse caso do leão, já foi feita. Vimos na TV pessoas da cidade do caçador Palmer dizerem que não conheciam esse lado dele e deixariam de ser seus clientes. E um dentista sem clientes não terá mais dinheiro para patrocinar caçadas.
Ao mesmo tempo que rolava a comoção pelas redes sociais, e abaixo assinados com milhares de assinaturas pediam punição, um site religioso postava imagens de terroristas degolando prisioneiros de olhos vendados com os dizeres: “não faz diferença, eles não são leões, mesmo”. Um absurdo, pois uma causa não exclui a outra. Todas as causas são importantes para um mundo de paz e justiça. Não se defende uma bandeira desfazendo outra.
É preciso pensar grande. Nesse caso, Cecil virou símbolo da luta pela preservação das espécies contra os caçadores (legais ou ilegais). Assim como há que se combater bravamente o terrorismo, um mal que precisa ser extirpado pela raiz.
É preciso mais amor e menos violência. O mundo precisa de paz, de justiça, de compaixão, fraternidade e, principalmente, de união.
Somos todos Cecil.
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Ivana Maria França de Negri é escritora.