Que se diga a algum leitor desavisado, a descriminalização da maconha não significa a sua legalização para consumo livre como acontece com outras “drogas lícitas.” Mas, para os entusiastas da nova proposta e para aqueles que são contra ela, a descriminalização seria o primeiro passo para um futuro processo de regulamentação e legalização dos meios de produção e distribuição dessa erva.
O fato é que a descriminalização da maconha, se ocorrer, irá afetar o consumidor final. Afinal, o porte da droga para consumo próprio não seria mais crime. Em regra, a Lei 11.343 de 26/08/2006, em vigor atualmente, não prevê pena de reclusão para cidadãos flagrados com pequenas porções de “drogas ilícitas.” Por outro lado, não há na lei uma definição sobre qual é a quantidade que distingue a droga a ser supostamente usada para consumo próprio daquela armazenada para o crime de tráfico. Esse critério nebuloso é definido por quem julga o infrator.
Em um país como o Brasil, que carece de uma lei comum que valha para todos sem qualquer distinção, podemos supor que o critério do julgador é influenciado por fatores sócio-econômicos ˗ vide os índices relativos à população carcerária do país. A descriminalização da maconha traria equidade a esse julgamento. Ou seja: o “maconheiro” (aquele pobre e favelado) e o “neo-hippie USP” (militante na marcha da maconha e protegido por um contrapeso de berço) receberiam o mesmo tratamento.
Assim, avaliando a questão da descriminalização da maconha sob o aspecto do direito comum, vê˗se que a solução não é descaracterizar o porte da droga como crime, mas incluir no texto da lei já existente as quantidades que separam o consumidor do traficante. Portanto, deve-se positivar com base em critérios científicos do consumo da droga, não dando margem a uma analogia jacobina do julgador na interpretação da lei.
A discussão sobre a descriminalização da maconha não é nova. A droga se popularizou nos anos 60 e, desde então, proliferam estudos acerca do seu uso. Durante muitos anos, a política de “tolerância zero” às drogas não fez qualquer distinção entre a cannabis e outras drogas, como a heroína e a cocaína. Com o passar do tempo, estudos sobre os benefícios do uso da maconha no tratamento de algumas doenças e o caráter passivo de seus efeitos fizeram com que ela fosse classificada como uma droga “leve”.
Nesse sentido, a experiência mais famosa ˗ no mundo Ocidental ˗ de descriminalização do uso da maconha ocorreu na Holanda. A lei holandesa regulamenta a produção e a venda dos derivados da erva. O consumo em público é restrito a lugares específicos e o porte de uma quantidade da droga, além da estabelecida por lei, é considerado crime de tráfico ˗ com pena severa. O exemplo holandês difundiu-se por alguns países, como o Canadá, e alguns estados dos EUA. Mais recentemente, nossos vizinhos uruguaios aprovaram uma lei que permite o cultivo da erva para uso particular e a venda regulamentada da maconha.
O Brasil é uma república com uma democracia ainda imatura para aprovar a descriminalização da maconha. Em meio a uma política de extremos ˗ na qual a disputa do “rouba˗monte” e a desonestidade são políticas de Estado ˗ tal medida irá necessitar de regulamentação e controle. Tais artífices não são, em todo caso, o ponto forte do nosso atual regime. Um dos argumentos de quem é favorável à medida leva em conta a ideia de que a descriminalização diminuiria o tráfico e as vítimas da atividade criminosa. Todavia, vale lembrar que apesar de o álcool e do cigarro serem drogas lícitas, isso não coibiu o contrabando dessas mercadorias para o nosso território.
Outro exemplo de que ainda nos debatemos no controle das drogas devidamente legalizadas é a lei de trânsito. Se um cidadão, embriagado, conduzindo veículo automotor, atropela e mata cinco pessoas, ainda discutimos se há dolo nessa conduta. O número de pessoas condenadas por esse ato é ainda ínfimo em comparação a outros crimes dessa natureza.
Quer dizer: beber e dirigir é crime; matar é crime; mas a combinação dos dois, para o nosso ordenamento, gera um relativismo débil em que o nexo causal sempre pesa em favor do infrator. O que é quase um salvo conduto para matar. Se a maconha for descriminalizada, já imagino os argumentos de alguém que, sob o efeito da droga, justificando um terrível “acidente” valendo˗se da confissão: “Eu só fumei um baseado. Não queria matar ninguém. Aconteceu…”
Portanto, o Brasil deve consolidar sua democracia e atender carências prioritárias da nação, que dizem respeito aos direitos humanos básicos, antes de aprovar uma medida que demandará atenção, sob a pena de que tal decisão se torne mais um problema.
Finalmente, cumpre afirmar que se a descriminalização da maconha for aprovada, muito provavelmente não teremos um aumento no número de usuários da droga. Afinal, o homem sóbrio é uma utopia e, se não com a maconha, ele encontrará outro refúgio para seu conflito particular. Ainda que a maconha fosse devidamente legalizada, ela iria ocupar o lugar que pertence ao álcool e ao cigarro apenas como mais uma droga, outra mazela que agrada a alguns e é repudiada por outros.
Na verdade, os efeitos da maconha são supervalorizados por seus ferrenhos defensores. A genialidade e a criatividade, que alegam aflorar no uso da droga, não está envolta na seda, mas é inerente ao próprio homem.
=====================
Bruno Gomes é aluno do segundo semestre do curso de Jornalismo da Universidade Metodista de Piracicaba.