Nem Lula nem Bolsonaro. Quem parou a cidade do Rio de Janeiro – e parte do Brasil – como nunca antes na história deste país foi a Madonna, tá ok? Mais de um milhão e meio de pessoas assistiram nas areias de Copacabana a um show histórico que, não por acaso, fecha a turnê “The Celebration Tour” com o maior público de todos os tempos da carreira de 40 anos da artista.
A um custo total de quase 60 milhões, o espetáculo – que teve patrocínio do banco Itaú e foi televisionado pela Rede Globo de Televisão em canal aberto, fechado e streaming – teve (ao menos para quem acompanhou pela TV) uma atmosfera inicial que parecia misturar os réveillons cariocas com seus carnavais de rua. Quando a noite de fato começou, com atraso de mais de uma hora, o que se viu – no entanto – foi uma explosão (ou muitas) de verdades que conservadores de direita e moralistas de esquerda tentam há muito sufocar no inconsciente (e no consciente) coletivo da nação.
De banho de cerveja no público a homenagens às vítimas da Aids – com direito a foto de Renato Russo e Cazuza no telão, junto a outras e outros tantos – o show teve bailarinas com seios à mostra, dramatizações sensuais variadas, beijo de língua de Madonna em bailarina (trans), teve Anita retumbante em beleza – dando nota em coreografia ao lado de Madonna -, teve a Pablo Vittar vestindo (e exorcizando) a camisa da seleção (e dançando com Madonna enroladas à bandeira do Brasil), teve agradecimento e discurso de empoderamento à comunidade LGBTQIA+, teve foto de Paulo Freire, teve homenagem a Marielle Franco e (sim!) muito mais (quem não viu precisa ver a reprise a ser apresentada pelo canal Multishow).
Ao que pese o momento trágico vivido pelo estado do Rio Grande do Sul (e, portanto, pelo Brasil), é inegável que o show de Madonna chacoalha o país ao escancarar em tevê aberta o que a falsa moral esconde para debaixo do tapete dos costumes da nação. Ora. Um milhão e meio de pessoas em Copacabana (e sabe-se lá quantos outros milhões, pela televisão, ao longo do país) curtiram, cantaram e dançaram ao som dos hits de Madonna e foram, claro, arrebatados pelo impacto da beleza do espetáculo e pela força libertária que o coloca a anos luz de distância dos cabrestos ideológicos da direita (tacanha e torpe) e mesmo da própria esquerda (sempre atenta em legislar sobre o que se pode e o que não se pode fazer, falar e pensar).
Para quem viveu os anos 80 e pode sentir – para o bem e para o mal – os excessos que essa década emanava (seja no campo da sexualidade, do comportamento, dos ideais e das ideias, da produção musical e das artes em geral) o show de Madonna teve ainda – talvez se possa afirmar – um quê de nostalgia capaz de nos mostrar que perdemos pelo caminho muito da beleza vital e (porque não?) da utopia libertadora daquele tempo em que a Guerra Fria encaminhava-se para o fim e as ditaduras pela América do Sul igualmente iam encontrando o seu ocaso.
Por fim, ao relembrar no palco – por meio de suas músicas e de toda a complexidade e exuberância de seu show – um pouco das dores, dos conflitos e das adversidades pelas quais passou como artista, Madonna nos faz repensar também (ainda mais) na sua importância como artista e figura pública na quebra de paradigmas e preconceitos entre os séculos XX e XXI.
Não fosse a tragédia no Sul – e é bom reafirmar a necessidade de ação e de atenção que a situação por lá exige – e o show de Madonna certamente dominaria as cabeças e as bocas – em prós e contras – muito mais do que deve dominar na mídia e nas conversas entre as gentes. Após o furacão Madonna dessa noite de sábado, cabe esperar para ver as reações dos reacionários de todo dia – ciosos de aprisionarem o país na sempre lucrativa camisa de força de seu moralismo forjado e de sua vantajosa religiosidade.
Mais do que isso, o que se dirá pelo Brasil nesse pós-Madonna dirá muito do que podemos esperar nas eleições deste ano – apesar de que, infelizmente, não se deve esperar (das eleições e dos comentários ao show) grande surpresas.
Foto de Capa: Buda Mendes/Getty Images – site GSHOW – https://gshow.globo.com/tudo-mais/pop/noticia/com-uma-hora-de-atraso-madonna-entra-no-palco-e-leva-o-publico-ao-delirio-durante-show-em-copacabana.ghtml
Parabéns Ale pelo artigo! Belo, poético, factual!
Não vi e gostei.
Quando puder ver, estarei com a camiseta da seleção. Ou não?
Um “pós-madonnismo” like a vision.