Benditos os ateus, porque, ainda que não saibam,
estão tão próximos do sagrado, e celebram a vida
como se não houvesse Deus – mas há -, e o grande Pai os abençoa
e se alegra com eles, que, à sua maneira, seguem Cristo sem sabê-lo,
e se encantam com a criação, e dançam em sua homenagem
nas festividades e comemorações profanas,
sem querer, sem se dar conta de que, em sua descrença, descrendo
estão mais próximos da experiência mística
do que os crentes, que creem conhecer, e assim não aprendem, e se agarram ao erro,
pois não é possível colocar vinho novo num copo que está cheio,
e cheio de si, até a borda, de falsos conceitos, e frases feitas
e dizeres prontos, decorados, por meio dos quais
Deus é descrito e refeito, segundo for mais fácil
ao fiel, acomodá-lo a seu modo, adaptá-lo do seu jeito.
Benditos os ateus, benditos os ateus, que enxergam sem ver,
que amam sem querer, que dão ao próximo
sem que se lhes peça, mas por compaixão, apenas,
– e a têm – e serão recebidos no além com festa e fogos,
muito surpresos, mas atentos de que se apresenta ali, para seu gozo pleno,
uma nova ciência, tão avançada, que ninguém a poderia prever,
pois utiliza como tubos de ensaio as veias do coração,
e um laboratório onde circula o mistério
da vida, tal como ela é, muito além desse chão.
Benditos ateus, porque estão tão perto, tão perto,
tão perto da verdadeira experiência de Deus.
Tito Kehl é arquiteto, escritor e presbítero pela Ordem Hospitalar Sanjoanita. Autor de diversos livros, publicou em 2023 – pela editora Terra Redonda – o livro “Poemas ao Deus Desconhecido”.