“Sínodo para a Amazônia: novos caminhos para a Igreja” é o nome mais conhecido da 16a. Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Região Amazônica, visto ser a renovação da evangelização católica nesse imenso território o ponto fulcral do encontro que se iniciou domingo (06/10) no Vaticano. As discussões seguem até o 27 de outubro, e 184 bispos do Brasil (58), Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela, Suriname, Guiana e Guiana Francesa se debruçam sobre o documento resultante de um ano de consulta a 80 mil pessoas.
O Sínodo “deverá ser histórica”, diz Dom Claudio Hummes, o arcebispo franciscano emérito da Arquidiocese de São Paulo designado a erguer e coordenar a REPAM – Rede Eclesial Pan-Amazônica.E será histórico porque o processo sinodal resgatado pelo atual papado está integrando a rede católica presente neste ponto do mapa onde confluem, como em nenhuma outra parte do Planeta, as crises ecológica, social e da democracia. Vimos o papa falar que “a Amazônia é um problema do mundo”, cujas queimadas e desmatamento afetam a humanidade toda, mas onde o chamado ecológico se soma à vulnerabilidade dos povos amazônidas. O chamado tem bases na realidade da região – o atual relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) indica 135 assassinatos de indígenas em 2018. Portanto este Sínodo será um teste para a Igreja de Francisco, em que “não se pode errar”, em suas palavras.
A centralidade da Amazônia para o papa Francisco vem desde a 5a Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe (2007), em Aparecida, quando ele ainda era arcebispo de Buenos Aires. E por isso o Sínodo quer consolidar a face indígena da Igreja, mas renovando ali os princípios católicos do Concílio Vaticano II (1963-65). O que está sendo dito é que a Igreja pretende perseguir a “inculturação”: dar rosto local aos dogmas e doutrinas, formando clero autóctone e interligando as bases católicas já existentes para ampliar sua ação apostólica. Dom Claudio fala em renovar a tradição da instituição católica, que é “o modo de viver” de Jesus Cristo e a Fé, sem medo de abrir-se para “os novos caminhos”, obrigatoriamente inclusivos. Nesse sentido, a integração está calcada na Encíclica Laudato Si’ (2015), que manda evangelizar a Casa Comum, falando para todos sobre os temas ecológicos atuais sem deixar para trás os pobres.
Esta parece ser a melhor resposta ao acirramento de ânimos de uma parte conservadora da instituição milenar. Contra os ataques de opositores – os cardeais estadunidense Raymond Burke e alemão Gerhard Müller, além do governo brasileiro que questiona a ingerência sobre a soberania nacional – a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançou a campanha “Eu apoio o Sínodo, eu apoio o papa”. O Sínodo não tem objetivos políticos, e não pretende interferir na soberania brasileira. Mas vale o alerta: “não se pode romper a corda” e ameaçar o trabalho corajoso do papa com um cisma. Dar ao patriarca a responsabilidade sobre temas sensíveis, como a “ecoteologia” (interpretar a Amazônia como um lugar sagrado), ou as ideias mais libertárias (ordenação de indígenas e casados), pode ser um peso difícil de carregar. As mudanças na Igreja universal ocorrem, mas são lentas. E a autoridade católica será tanto maior quanto mais sirva à humanidade, sem romper os limites já assegurados em suas posições progressistas. Caminhar juntos, respeitar as diferenças parecem ser as lições de Francisco de Assis, o primeiro diplomata da Igreja a quem Bergoglio submeteu seu papado.
Isabel Gnaccarini
Isabel Gnaccarini é jornalista e doutoranda em Ambiente e Sociedade pela Unicamp, faz tese sobre a Encíclica Laudato Si’ e a governança ambiental global da ONU.