Rompendo com uma visão conservadora no âmbito educacional, que considera a educação como uma ação pontual, estanque e fragmentada, própria de uma concepção bancária de ensino e aprendizagem – como define bem o mestre Paulo Freire –, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra(MST) tem buscando construir, em uma relação dialógica com seus militantes, uma educação complexa, na articulação entre estudos acadêmicos, engajamento político, luta social e inserção no mundo do trabalho a partir da produção no campo.
Diante desta concepção educacional é que o MST tem construído a pauta que reivindica o direto à educação no campo, de maneira a superar, paulatinamente, transformando desde a base, a desigual estrutura social que coloca a educação como um bem acessível apenas para uma minoria, considerada como uma elite privilegiada. A luta é para que o trabalhador rural tenha acesso à educação que quiser, não se restringindo às áreas relacionadas mais diretamente à realidade agrária. A educação no campo deve ser plural e aberta, possibilitando com que o trabalhador rural tenha condições de se formar nas mais diversas áreas do conhecimento, promovendo assim um movimento de verdadeira democratização da cultura e da ciência.
Vislumbrando responder ao desafio histórico de garantir o direito à educação no campo é que o Instituto Federal de São Paulo tem desenvolvido o curso de pós-graduação em Trabalho Associado e Educação para Além do Capital no Brasil e na América Latina. Sob a coordenação geral da docente Mirella Caetano de Souza, do IFSP, campus São José dos Campos, e contando com recursos do Pronera (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária), a pós-graduação em Trabalho Associado reflete uma construção pedagógica que é resultado do diálogo entre movimento social, Instituto Federal e Incra.
O curso ganha lugar na emblemática Escola Popular Rosa Luxemburgo, localizada no território do assentamento do MST, na cidade de Agudos. Por meio da pedagogia da alternância, o programa curricular do curso está estruturado a partir do equilíbrio entre o tempo escola e o tempo comunidade. Mas o processo de formação acontece de maneira contínua, interativa e complexa, não se reduzindo apenas aos momentos de aulas teóricas, que compõem o tempo escola, ou mesmo aos períodos de estudos individuais, no tempo comunidade. No tempo escola, as profícuas trocas, os momentos de compartilhamento, as vivências suscitadas a partir da mística e as atividades coletivas, que demarcam a intensa convivência e experiência de imersão no cotidiano de uma comunidade do MST cumprem também uma original, envolvente e imprescindível dimensão da concepção político-pedagógica.
Na dinâmica do processo formativo no tempo escola, interessante destacar um momento singular e intenso da pós-graduação, que consiste em uma experiência de interação mais direta com a realidade das famílias já assentadas no Rosa Luxemburgo. Ser recebido nos lotes das famílias camponesas e conhecer in loco as possibilidades e também carências da realidade dos assentados permite uma compreensão mais profunda sobre as demandas que envolvem o processo da reforma agrário no Brasil. Dona Francisca, que traz importantes memórias de sua longa luta pela terra, orienta os pós-graduandos, com generosidade e o coração cheio de esperança, sobre a urgência de políticas públicas que deem condições para que o pequeno lavrador possa permanecer, produzir e viver na terra que conquistou.
Atento às lições de Paulo Freire, o MST compreende que a dinâmica de formação intelectual é sempre um ato político, que envolve e engloba uma educação complexa, comprometida com um discernimento ético a pautar as relações sociais e com a natureza, tendo como alicerce o senso de justiça, liberdade e solidariedade. Os bens coletivamente produzidos devem ser socializados e o meio ambiente preservado, para que todos tenham as condições básicas para uma vida plena em dignidade. Este talvez seja o grande mote inspirador do curso de Pós-graduação Trabalho Associado e Educação para Além do Capital no Brasil e na América Latina.
Adelino Francisco de Oliveira é professor no Instituto Federal de São Paulo, campus Piracicaba.
(FOTO: Docentes do IFSP, na Escola Popular Rosa Luxemburgo, que ministram aulas no curso de Pós-graduação em Trabalho Associado e Educação para Além do Capital no Brasil e na América Latina).
