Arquinho e Mata-Fome.

Arquinho e Mata-Fome.

Li aqui na Tribuna a crônica do Cecílio sobre o pé de moleque. Eu tive um pé de moleque, pois vive minha infância com o pé no chão, árvores, rios, córregos, matas e às vezes muitos bichos de pé – aquele que dava uma coceira quase extasiante.

Quanto ao doce chamado pé de moleque,  fabricado pela indústria de doces Martini, eu comprava todos os dias no bar do seu “Gusto”, no bar Noiva da Colina, ou no bar “Gato Preto”, do seu Armando. Na época, era feito com amendoim e açúcar – como é feito hoje, porém, era muito mais saboroso que nos dias atuais.

Mas o meu doce preferido, e o de toda criançada de minha turma, era o mata-fome, também produzido pela centenária indústria Martini – a que hoje também tem uma banca de doces no mercadão central.

O mata-fome era um doce especial, um bolo de cor escura, com a parte de cima com uma cobertura de creme amarelo encimado por uma gota vermelha de creme. Ao comer, a fome e a vontade de outros doces acabavam, pois era de satisfazer o paladar e encher nossa pequena barriguinha infantil – por isso o nome era mata-fome. Foi a alegria de nós, piracicabanos, na infância, pois os doces de padarias eram muito raros e caros.

Tempos atrás, ao sentir lembrança do doce e querendo fazer com que meu neto experimentasse tal iguaria, procurei ver se encontrava alguém que produzisse ainda esse doce. Porém, minha missão foi infrutífera, pois não se fabricava mais. Vim a descobrir que o segredo de sua produção naquela época foi o que inviabilizou sua produção para o consumidor nos dias de hoje. É que ele era fabricado com a mistura da sobra de outros doces. Com isso, produzia-se um sabor especial. Talvez isso seja só uma lenda, para valorizá-lo ainda mais do que já foi.

Na verdade, não importa como era feito. O que importa era seu sabor e seu poder de satisfazer o paladar mais exigente das crianças. Depois de comer o doce, nós pegávamos nosso “arquinho” e saímos passear pelos quarteirões de nosso bairro. O “arquinho” era um brinquedo que hoje não existe mais – e consistia de um pedaço de arame de um metro com uma pequena curvatura e um formato de “U”, que encaixava numa argola ou arco e era empurrado pelas crianças, tendo como combustível (para mim) a energia produzida pelo mata-fome.

São apenas lembranças de um tempo, de uma época de uma infância de pé no chão e de contato com a terra, com a terra abençoada de Piracicaba.


 

 

 

João Carlos Teixeira Gonçalves é professor nos cursos de comunicação da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), consultor e palestrante do Instituto Gonçalves

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